O método da “transgressão”

A estratégia de Macron não visa obter apoios à esquerda e à direita mas criar um novo eixo político, da esquerda à direita, sobre os escombros dos grandes partidos.

Reserve as sextas-feiras para ler a newsletter de Jorge Almeida Fernandes sobre o mundo que não compreendemos.

Emmanuel Macron tem três desígnios prioritários. O relançamento do projecto europeu, que estará suspenso até às eleições alemãs. A "moralização da vida política", para responder à desconfiança dos cidadãos perante "o sistema". E as reformas sociais previstas para o Outono, sobretudo a flexibilização do mercado do trabalho, cuja contestação "no Parlamento e na rua" já foi anunciada. As legislativas de 11 e 18 de Junho condicionarão a margem de manobra do governo. São, para Macron, uma questão de sobrevivência.

O antigo ministro da Economia tirou uma lição da sua experiência no governo. Nem a esquerda nem a direita estavam dispostas a fazer reformas, apesar de haver um largo consenso em torno da sua necessidade. Não o podiam fazer, ou porque tal fracturava o partido (caso do PS) ou porque os "sarkozistas" apostavam em dividir a esquerda para reconquistar a presidência.

Manuel Valls e o seu ministro Macron estavam de acordo nos grandes objectivos e na necessidade de refundar o PS. Divergiram, por conflitos pessoais e por uma diferença de horizonte. Valls queria mudar o partido — desde o programa ao próprio nome — e pôr termo à coexistência dos dois PS, o "de governo" e o "de contestação". Avisava: "A esquerda pode morrer." Mas não ousou dar o salto e acabou ingloriamente derrotado das primárias do PS.

Macron optou por sair do terreno do PS e passou a visar a própria recomposição do sistema partidário. Percebeu a decomposição dos dois grandes partidos. As presidenciais foram um momento de demolição, a que agora se segue uma tentativa de recomposição.

A grande manobra

A estratégia de Macron não consiste apenas em obter apoios à esquerda e à direita e, muito menos, em procurar um "bloco central" que travaria ainda mais a mudança. Visa a criação de um novo "eixo político", associando reformistas do PS, do Modem e Radicais (centro) e de Os Republicanos (LR, direita), sobretudo os "juppeístas", em torno um consenso sobre as reformas sócio-económicas e sobre o projecto europeu.

Ao designar um primeiro-ministro, o Presidente procura um nome que, para lá de aplicar o seu programa, alargue o seu espaço político. Macron diz querer assumir um modelo algo gaullista de presidência: ocupar-se apenas das grandes opções e deixar ao primeiro-ministro uma grande margem de liberdade na governação. Diz querer falar "poucas vezes". A escolha de Edouard Philippe, homem de direita (juppeísta) que disse partilhar "90% dos objectivos" de Macron, é portanto lógica.

Para algumas figuras da esquerda, sobretudo as vencidas, trata-se de um "governo de direita". Mas a direita não tem ilusões sobre isso. Os "sarkozistas" parecem em pânico, com receio de mais "deserções" na véspera das legislativas. A estratégia do LR consiste em apostar na desforra das presidenciais, vencer as legislativas e impor a Macron uma "coabitação", ou seja, apoderar-se do governo. Ao contrário, Macron pretende atrair o "juppeístas", desde já e depois das eleições.

Na imprensa francesa multiplicam-se títulos como este: "A nomeação de Edouard Philippe ameaça a unidade da direita" (Le Monde). Recorda-se uma frase de Macron durante a campanha eleitoral: "Procuro desestabilizá-los abrindo-lhes os braços para que o ónus da ruptura não recaia sobre mim."

É esta a lógica que preside à constituição do governo com figuras da esquerda, do centro e da direita, além de personalidades vindas da "sociedade civil". Entre os nomes que marcam a abertura do espaço político, cito apenas o do prestigiado Nicolas Hulot, "o papa da ecologia francesa", que vai servir de contrapeso ao ministro da Economia, Bruno Le Maire (LR).

O primeiro-ministro sabe ao que vai. Numa crónica no Libération (3 de Maio), onde comentou as presidenciais do ponto de vista da direita, explica Edouard Philippe que há três modos de chegar a uma maioria: a triangulação (adoptar ideias de esquerda e direita, como Bill Clinton ou Tony Blair); a abertura (convidar os adversários a trabalhar connosco); e a transgressão, isto é, mudar as antigas regras e impor novas.

Concluía: "Se [o vencedor] é Macron, deverá transgredir. Sair do antigo frente-a-frente, cultural, institucionalizado e confortável da oposição esquerda-direita, para constituir uma maioria de novo tipo. O caminho será estreito. E arriscado. É difícil imaginar ‘o sistema’ a aceitá-lo sem reagir."

Sugerir correcção
Comentar