Houve festa na grande máquina de raios X que tenta unir o Médio Oriente

Há motivos para dizer que a ciência une os países. Instalado perto da capital da Jordânia, o primeiro acelerador internacional de partículas do Médio Oriente junta países como Israel e o Irão. Portugal é um dos observadores deste centro de investigação.

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Anéis do sincrotrão SESAME onde circulam electrões IAEA/SESAME
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Anéis do sincrotrão SESAME onde circulam electrões IAEA/SESAME
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Na cerimónia de inauguração do SESAME Noemi Caraban Gonzalez/CERN

É o primeiro acelerador de partículas internacional do Médio Oriente e tem a sua sede em Allan, perto de Amã, a capital da Jordânia. Esta terça-feira foi inaugurada esta grande máquina que produz radiação sincrotrónica – feixes de raios X intensos – e um dos seus trunfos é a junção de dez países do Médio Oriente, alguns dos quais com relações bastante tensas.

“É o lugar da ciência para a paz”, disse ao PÚBLICO Gaspar Barreira, director do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Portugal, que esteve na inauguração do SESAME. “É algo único”, reforçou, ao sublinhar que este é o único projecto onde países como Israel e Irão estão juntos.

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Gaspar Barreira representou Portugal, que é um dos observadores do SESAME. O país entrou logo como observador no início do projecto, em 2004, por iniciativa de José Mariano Gago, na altura no LIP. “Um observador dá apoio moral e faz lobby político”, disse, acrescentando que Portugal vai oferecer entre dez a 12 bolsas de doutoramento ao SESAME. Quanto à possibilidade de Portugal um dia vir a ser membro, Gaspar Barreira nega-o para já: “Não é muito provável. Nas suas proximidades há sincrotrões.”

O SESAME conta também com observadores como o Canadá, os Estados Unidos, o Brasil, a Rússia, a China ou a Alemanha e tem o apoio da Comissão Europeia (CE) que investiu cerca de 15 milhões na sua construção. Desses, cerca de 3,5 milhões serão para painéis fotovoltaicos, afinal este vai ser o primeiro “sincrotrão verde” do mundo. Ao todo, já foram investidos mais de 100 milhões de euros.

Na inauguração, esteve também Carlos Moedas, comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação: “O SESAME é a melhor prova que a diplomacia na ciência é um condutor da excelência científica e tecnológica e uma ferramenta poderosa para melhorar as relações entre os países, regiões e culturas, promovendo a paz e a estabilidade na região”, disse o comissário, em comunicado da CE.

O SESAME – a sigla em inglês de Synchrotron-light for Experimental Science and Applications in the Middle East – começou a ser construído em 2003 e inspirou-se no modelo do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), em Genebra (Suíça). O CERN foi fundado em 1954 e ajudou a unir os países europeus depois da Segunda Guerra Mundial. Actualmente tem 22 países-membros (incluindo Portugal, desde 1986) e é o maior laboratório de física de partículas do mundo.

Multiculturalidade na ciência

O SESAME conta agora com dez membros: o Bahrein, o Chipre, o Egipto, o Irão, Israel, Jordânia, Koweit, Paquistão, Autoridade Palestiana e a Turquia. A organização intergovernamental tem como presidente do seu conselho Chris Llewellyn Smith, antigo director-geral do CERN.

Este sincrotrão do Médio Oriente vai permitir estudar as propriedades de novos materiais e de objectos arqueológicos de forma muito pormenorizada, assim como ver células humanas, vírus ou proteínas até ao nível dos átomos. E vai ser utilizado por empresas e universidades do Médio Oriente.

A 11 de Janeiro deste ano começaram a circular os primeiros feixes de electrões nos anéis do SESAME, em forma de circunferência, com 133 metros. Neste momento, ainda estão a ser concluídas as linhas de feixes, mas já tem à sua espera cerca de 300 cientistas, diz-nos Miguel Cerqueira Bastos, engenheiro electrotécnico do CERN e que esteve envolvido na construção do SESAME.

Entre 2013 e 2016, o engenheiro português de 42 anos trabalhou no projecto. “A Comissão Europeia pediu ao CERN para colaborar com o SESAME na construção dos componentes do acelerador”, conta. “Há uma fonte de electrões que é transferida para o acelerador principal e esses electrões são injectados no anel circular, onde andam à roda e emitem radiação sob forma de luz [raios X] e originam fotões.”

Depois, essa luz que é dirigida para uma linha de feixes. É aqui, com esta luz muito intensa, que se podem analisar ao detalhe proteínas ou artefactos arqueológicos. “É como um grande microscópio”, salienta Miguel Bastos. Este acelerador tem dois grandes componentes: os ímanes, que geram o campo magnético e que direccionam os electrões, e as fontes de alimentação desses ímanes. Foi na última componente que Miguel Bastos trabalhou.

Dos quatro anos em que participou no projecto, Miguel Bastos pôde ver que o SESAME tem uma equipa muito jovem. “O engenheiro responsável pelas fontes de alimentação do SESAME tem 28 anos e quando começou tinha 25, por exemplo.”

Além disso, faz questão de reforçar a “diplomacia na ciência” que existe com o SESAME. “Quando se trabalha para um objectivo comum, este acaba por ser um veículo de comunicação entre as culturas”, considera Miguel Bastos, que trabalhou numa equipa de dois engenheiros da Jordânia, um paquistanês, um iraniano, um turco e um técnico alemão. “Era uma equipa multicultural e com backgrounds muito diferentes. “Ali via-se como as pessoas superavam as barreiras facilmente.”

O engenheiro português, no CERN há 15 anos, descreve-nos o local onde o SESAME está instalado como uma típica paisagem do Mediterrâneo e com impacto na população local. “O edifício não é muito grande, mas as pessoas foram-se apercebendo que aquilo era algo novo.” E Gaspar Barreira salienta o espírito vivido durante a inauguração desta terça-feira: “Esteve muito calor, mas foi uma grande festa!”

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