Comandos: advogado de director do curso diz que “instruendos não foram privados de água”

Alexandre Lafayette invoca Código Penal para dizer que “não há ofensa corporal” em situação de “instrução rigorosa nas Forças Armadas”. Arguidos estão indiciados por crime previsto no Código de Justiça Militar.

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Deputados da comissão de Defesa visitam nesta terça-feira o Regimento dos Comandos na Carregueira Rui Gaudêncio

Alexandre Lafayette, advogado de um dos principais arguidos do inquérito-crime às circunstâncias em que ocorreram em Setembro duas mortes no curso 127 dos Comandos, refuta a ideia de que os instrutores sabiam que estavam a pôr em risco as vidas dos instruendos.

Contactado pelo PÚBLICO esta terça-feira, Alexandre Lafayette considera que “não houve privação de água” aos 67 instruendos que participaram no primeiro dia da Prova Zero e do curso, e diz, citando uma cláusula de exclusão do Código Penal, que “não há ofensa corporal quando as pessoas são submetidas a instrução rigorosa nas Forças Armadas”.

De acordo com os resultados das autópsias concluídos em Outubro de 2016, os instruendos Hugo Abreu e Dylan da Silva, ambos com 20 anos, morreram por desidratação extrema durante a instrução de dia 4 de Setembro. Nesse primeiro e fatal dia da prova, um domingo, a temperatura do solo chegou aos 48 graus centígrados e a do ar ultrapassou os 40 graus centígrados.

Os arguidos estão indiciados por “abuso de autoridade por ofensa à integridade física”, um crime previsto no Código de Justiça Militar. Segundo este artigo, “o militar que ofender o corpo ou a saúde de algum subordinado no exercício das suas funções e por causa delas é punido”. As penas de prisão são determinadas em função da ofensa e se esta for de forma a provocar, entre outras, incapacidade, doença particularmente dolorosa ou permanente, anomalia psíquica ou provocar perigo para a vida. Neste último caso, a pena de prisão prevista vai de oito a 16 anos.

De acordo com o processo consultado pelo PÚBLICO, a magistrada Cândida Vilar, que coordena a investigação no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), conclui que “todos os arguidos agiram voluntária e conscientemente com o propósito de maltratarem fisicamente os ofendidos e instruendos do curso”, sabendo como “possível que da privação da água” associada à “exposição de elevadas temperaturas” e à “imposição de exercícios físicos violentos, resultasse doença particularmente dolorosa, e mesmo perigo para a vida dos ofendidos, conformando-se, não obstante, com esses resultados”.

Acusação até fim de Junho

A descrição consta do resumo dos factos imputados aos arguidos no processo, a poucas semanas de ser conhecida a acusação. O processo tem 20 arguidos, entre os quais 17 dos 18 instrutores da Prova Zero, a primeira do curso 127, aos quais se juntam o médico e dois enfermeiros.

Lafayette diz que “não é possível” que os instrutores quisessem ou soubessem que estavam a pôr vidas em perigo. O advogado não adianta em que vai basear a defesa do director da prova e de outros constituintes seus, entre os arguidos neste processo. Antes prefere salientar que deu entrada, há umas semanas, no Tribunal da Relação, por requerimento seu, um pedido de afastamento da procuradora Cândida Vilar, por “violação do princípio da imparcialidade” neste processo, e que acusa de cometer um crime ao ter ordenado em Novembro a detenção de sete arguidos para interrogatório: o director do curso, cinco instrutores e o médico-capitão, que passaram a noite no Estabelecimento Prisional de Tomar, antes de serem ouvidos no dia em que foram libertados e sujeitos a uma medida de termo de identidade e residência.

A estes sete viriam a juntar-se mais 13 arguidos nos meses seguintes por “abuso de autoridade por ofensas à integridade física”. Alexandre Lafayette alega que, no primeiro dia da Prova Zero, no Campo de Tiro de Alcochete, “não houve privação de água aos instruendos”, defendendo que as mortes de Hugo Abreu (nesse mesmo dia, 4 de Setembro) e Dylan da Silva (10 de Setembro) foram causadas pelas altas temperaturas e esforço físico.

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