Regressam a casa para encontrarem novos caminhos profissionais

A oferta de formação executiva vai abrindo também espaço pelo interior do país, fora das duas grandes cidades. Os profissionais locais que as procuram querem sobretudo actualizar-se no mercado de trabalho. Na D. Dinis Business School, em Leiria, o objectivo é pôr os alunos e a região a mexer.

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Na aulda, os alunos ouvem que “o marketing pode fazer-se em qualquer lugar”, Enric Vives-Rubio

É sábado de manhã, não há o som formal de uma campainha de escola a anunciar os tempos das aulas, mas a hora do intervalo continua a ser sagrada. No edifício do Núcleo Empresarial da Região de Leiria (Nerlei), onde está localizada a D. Dinis Business School, grupos de alunos e professores fazem uma pausa, tomam o café da manhã e improvisam qualquer refeição para enganar o estômago até à hora de almoço. É assim todos os fins-de-semana. Pós-graduações, pequenas formações e até um curso de preparação para a Ordem dos Contabilistas ocupam a vida desta escola de negócios no centro do país.

Numa das salas do primeiro piso, os alunos entram às “pinguinhas” no seminário de web marketing, leccionado pelo professor Filipe Pinto, e integrado na formação executiva Gestão para PME (pequenas e médias empresas). A turma é composta por oito alunos, quatro mulheres e quatro homens, numa balança equilibrada de géneros e experiências. Há profissionais da área da saúde, da advocacia, da banca e da engenharia. “É uma relação democrática que existe aqui, porque a aula não existe sem professor ou sem alunos”, acrescenta Filipe Pinto.

Apesar do número reduzido de estudantes – que se pretende para um ensino mais personalizado e direccionado –, a diversidade de jornadas profissionais permite que o professor não só conheça o nome da cada uma das pessoas sentadas à sua frente, como também o seu passado e o presente académico e profissional. À vez, e de forma espontânea, vai soltando um ou outro conselho: “Para uma startup, podes tentar este programa de empreendedorismo”, “Na tua empresa, podes experimentar isto”, atira o professor.

Das orientações profissionais para os conhecimentos de marketing é um passo muito pequeno. Os alunos não tiram muitos apontamentos, mas ouvem atentamente. E retêm uma mensagem: “O facto de haver competitividade é bom”. Muitas das pessoas que chegam até à formação de Gestão para PME da D. Dinis Business School sabem o que isso é. O público-alvo são gestores e empresários da região de Leiria, que procuram solucionar algum problema das suas empresas ou apenas actualizarem-se no mercado de trabalho.

“Como eu costumo dizer: temos a luva e a mão. O objectivo é que esta formação seja a luva para a mão que temos”, explica Filipe Pinto ao Público. Com experiência em vários mercados, desde a Espanha até à América Latina, o professor não facilita e tenta sempre puxar a brasa à sua sardinha. “O marketing pode fazer-se em qualquer lugar”. No entanto, do lado de lá, na vida real, são vários os que admitem que a gestão de conteúdos online fica sempre para segundo plano. Outros, como António Gameiro de 42 anos, gestor de três empresas de moldes em Vieira de Leiria na Marinha Grande, admitem que as ferramentas como email marketing são bastante aborrecidas de se fazer e de receber. “Estou farto, mas resulta comigo”.

E porque é de sonhos que se fazem muitas vezes as profissões a conversa durante as aulas tem tendência para se dispersar e sair do contexto do web marketing. Nada que incomode Filipe Pinto ou os alunos que aproveitam a oportunidade para deixar as ideias fluírem. É o caso de Joana Pacheco, de 36 anos, uma engenheira civil que deixou recentemente uma estadia de oito anos em Marrocos para apostar o futuro e o coração em Leiria. “Decidi frequentar esta formação porque torna-se complementar, especialmente para quem vem de fora e pode querer criar um negócio aqui”, explica.

A engenheira portuguesa que chegou a trabalhar no projecto do TGV marroquino tem algumas ideias em mente. Uma delas e a mais relevante seria criar uma ludoteca – uma espécie de biblioteca com jogos e livros -- para crianças em Leiria, à semelhança do que tinha feito em Marrocos, quando criou um atelier para crianças e bebés. Filipe Pinto ouve tudo e até lança sugestões como um hotel para cães e gatos – algo que nunca viu em Portugal, mas que lhe aguça a curiosidade – ou aproveitando a deixa de Joana Pacheco, um hotel para bebés. E quase desculpabilizando a ordem de pensamentos, diz que “as ideias não são para os idiotas”.

É na correria de conceitos, uma velocidade quase relâmpago como esta formação de cerca de dois meses, que o professor é regularmente desafiado para dar o seu aval em diferentes áreas de negócio. “Então não tem nenhuma ideia para os moldes?”, interroga António Gameiro. Para já, Filipe Pinto não tem, mas quem sabe se não poderá ajudar no futuro. “Depois da formação, eles contactam-me para tentar ajudá-los, algumas vezes nem me lembro dos assuntos, mas quando me falam em pormenores, eu recordo-me e tento dar continuidade à relação”, afirma.

A formação de Gestão para PME está assente em três módulos: estratégia e marketing, gestão financeira e competências pessoais. Umas áreas pesam mais do que outras no currículo e no interesse destes alunos. António Gameiro reconhece que alguns temas “são demasiado académicos”, mas não deixa de reconhecer importância a assuntos que sabe serem imprescindíveis à gestão de uma empresa.

O gestor de 42 anos “não tem qualquer formação académica”, como faz questão de salientar. Deu asas ao seu futuro com muito trabalho e algumas competências técnicas na área dos moldes. Hoje, coordena uma equipa de cerca de 80 pessoas, o que lhe coloca mais peso e responsabilidade, especialmente quando têm os olhos e ouvidos concentrados em vários departamentos. “Eu devia ser o elo de ligação entre todas as áreas da empresa e o meu desafio é torná-la eficiente, robusta e com futuro”, explica. Espera conseguir parte dos objectivos na escola de negócios de Leiria.

“Não fazemos milagres e Maria não dá aulas”

São as formações-relâmpago como a de Gestão para PME que obrigam a comprimir vários conhecimentos num período de meses. Algo que não preocupa professores ou alunos, uns porque acreditam “ajudar abrir horizontes”, outros porque não querem estar “presos” durante muito tempo e preferem evoluir para outros cursos ou profissões. “Não há milagres”, diz Filipe Pinto quando questionado sobre a curta duração das formações. “Não é em quatro horas que vamos fazer o que quer que seja. Eles sabem que existe a área de conhecimentos das pesquisas, das bases de dados e sabem como encaixar quando tiverem problemas”.

Não foi com um problema que Rita Gaspar Simões, advogada de 32 anos, chegou até à D. Dinis Business School, mas antes com uma necessidade. Decidiu deixar Lisboa, lugar onde exerceu advocacia nos últimos anos, para assumir as rédeas da empresa dos pais na cidade-natal, em Leiria. O negócio de metalo-mecânica é um campeonato que não domina com facilidade. No entanto, “ajudar a empresa familiar a crescer e dar-lhe um futuro” superou qualquer insegurança inicial.

A ligação entre o ensino e a região de Leiria tem-se revelado uma receita para o futuro, não só para a D. Dinis Business School, como para o Instituto Politécnico de Leiria (IPL) – a instituição de ensino superior fundadora desta escola de negócios. Quem o diz é Vítor Hugo Ferreira, diretor da D. Dinis Business School, para quem “o ensino iminentemente prático permite estar em constante contacto com os desafios reais das empresas”, nomeadamente associados empresariais por todo o país e associações empresariais locais.

Foi esta valência que cativou Vanda Oliveira, de 39 anos, natural de Leiria, cuja formação académica consiste numa licenciatura em Economia feita em Lisboa. Depois de vários anos a trabalhar na banca, Vanda reconhece que está em desvantagem face a colegas que estudaram em Leiria. “Como estudei fora, tive de me desenvencilhar sozinha. Os alunos que estudaram em Leiria competem de uma melhor forma do que eu, porque aproveitam as sinergias entre os politécnicos e as empresas”, explica a actual estudante de Gestão para PME.

Através desta escola de negócios, fundada em 2013, e que conta com cerca de 500 alunos em todos os seus programas, a região de Leiria encaminha-se para a competitividade local, empresarial e académica. Numa diversidade de profissões e vozes será razoavelmente fácil encontrar um enfermeiro que quer colocar a sua clínica de saúde no topo ou um proprietário de um centro de inspecção automóvel que estuda para melhorar os conhecimentos de gestão. Porque como diz o professor: “Estas pessoas não vêm à procura de um canudo, vêm à procura de instrumentos para ajudar a abrir caminhos”.

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