Balcão da Caixa no Parlamento: “Dá muito jeito ter aqui a agência no trabalho”

Agência da Caixa que um deputado quer trocar pela de Almeida tem sempre movimento de clientes. Santinho Pacheco espera resposta de Paulo Macedo e recusa aceitar “anátema” sobre o interior.

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Agência da Caixa no Parlamento Miguel Manso

O gato cinza malhado aninha-se mesmo em frente à porta da agência da Caixa Geral de Depósitos no Parlamento e fecha os olhos, indiferente a quem passa. Meia hora depois, no seu lugar já está um preto, mais magrinho, fugido do piar insistente dos pavões que se passeiam no jardim. Isto de ter um gato preto à porta da CGD nos dias que correm dava uma fotografia com significado.

Mas não se pense que a bonomia dos dois felinos se deve à falta de movimento na agência da CGD que um deputado do PS propôs trocar pela de Almeida na lista negra dos balcões a encerrar este ano. Serão raros os momentos em que o espaço está, em bom português, às moscas. O PÚBLICO testemunhou que o balcão tem quase sempre algum cliente. Há quem venha apenas pedir uma nova caderneta para actualizar, como a funcionária Helena Rodrigues – a única que aceitou dar o nome – que desde Março tinha o último livrinho cheio e limitou-se a dizer que “dá muito jeito ter aqui a agência no trabalho” –, ou tratar de algum contrato, como ouvimos uma deputada referir.

Outra cliente queixa-se a uma funcionária que o marido lhe disse que “o preçário da CGD está mais alto que o do Novo Banco”, diz-lhe. “Ah, mas o Novo Banco está noutra fase e também depende de que custos está a ver e a comparar!”, responde prontamente a funcionária que ocupa uma das quatro mesas de atendimento da agência – há ainda dois gabinetes para contactos mais formais e sossegados. Um deles é da gerente, Dulce Fernandes, que não quis prestar declarações ao PÚBLICO. E há pelo menos dois colaboradores do quadro, especificou a administração.

Não sendo uma comum agência de rua, este balcão, aberto desde Agosto de 1988, abre das 10h às 16h30, e tem todas as valências comerciais dos outros - embora para actos formais como assinaturas de escrituras dependa da sede, na Avenida João XXI. A diferença está em quem atende: funcionários do Parlamento, dos grupos parlamentares e dos bares e cantina, elementos da PSP ou da GNR, deputados, jornalistas e até visitantes da Assembleia da República que ali passem. Ou seja, destina-se às cerca de mil pessoas que de alguma forma ali trabalham, mas também serve como balcão principal para os funcionários de entidades externas ligada ao Parlamento ou ao Governo, como é o caso da residência oficial do primeiro-ministro, a Presidência do Conselho de Ministros, Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Comissão Nacional de Eleições, Comissão Nacional de Protecção de Dados ou Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Para os actuais funcionários e até para os antigos. Há quem seja actualmente eurodeputado ou funcionário dos gabinetes de eurodeputados portugueses em Bruxelas e tenha preferido manter a agência da CGD na AR como o seu balcão bancário. Será, portanto, uma agência que vê poucos clientes a entrar, mas com um nível de exigência superior e, boa parte deles, com muito (e alto) movimento nas contas – e é isso que entra no deve e haver da análise que a sede fez para escolher as agências a sacrificar.

Porém, esse é argumento que o deputado socialista Santinho Pacheco não aceita. Eleito pelo distrito da Guarda, o antigo presidente da Câmara de Gouveia enviou há uma semana uma carta aberta a Paulo Macedo, aconselhando-o a fechar o balcão da AR e a manter o de Almeida. Ainda não obteve resposta, mas ao PÚBLICO diz que “o importante não é a reivindicação em si”, mas a mensagem: “No interior não podemos continuar a aceitar que encerramentos e reformas de entidades e serviços públicos tenham sempre como pressuposto o baixo número de utentes ou a falta de lucro. Estamos a caucionar a morte do interior.”

Santinho Pacheco, cliente da CGD “há décadas”, não se lembra de ter entrado na agência da AR – vai à de Gouveia, onde mora -, usa apenas a caixa ATM que está à porta. O socialista não se conforma com o fecho de Almeida e deposita alguma esperança no Presidente da República, que hoje ouve os autarcas locais. “Quando há iniciativas do Governo como a Unidade de Missão de Valorização do Interior e deixa que a CGD marque Almeida como a única sede de concelho a perder uma agência não se entende a duplicidade de critérios.”

Mais: “É intolerável o sinal dado à economia. O banco público serve para quê? Para apoiar o desenvolvimento económico. E o que está a dizer à iniciativa privada é que não vale a pena apostar em Almeida. É mais um anátema sobre a raia e o interior.” Santinho Pacheco critica a “visão economicista da Caixa” e o facto de o banco já ter esquecido que através dos balcões da região “recebeu milhões e milhões de contos das remessas dos emigrantes que ajudaram a Caixa a crescer”.

Santinho Pacheco insiste que um balcão da CGD “faz mais falta em Almeida do que no Parlamento”. Edite Estrela, sua companheira de bancada e cliente com conta nesta agência desde a abertura, considera que não se pode pôr a solução em termos de “moeda de troca” e diz mesmo não fazer questão que haja um banco no Parlamento. Mas o assunto, defende, “tem de ser tratado com alguma racionalidade e conjugados vários critérios”. Ou seja, “deve ser tido em conta o serviço às populações com mais dificuldades e valorizados os aspectos sociais, e também critérios de racionalidade e económicos – mas que a administração da Caixa deve ter em conta no diálogo com as autoridades locais.”

A lei que regula o funcionamento da Assembleia da República estipula que ali deve haver um serviço dos CTT em instalações próprias, prerrogativa que pode ser "concedida a outras instituições, designadamente bancárias" por despacho do presidente do Parlamento – mas nada impõe que seja a Caixa.

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