Em Matosinhos, a romaria do Senhor ensombra a da Senhora

Ao longo dos anos a romaria da Senhora da Hora foi perdendo o protagonismo e a dimensão de outros tempos. A festa arrancou na semana passada um dia antes do Senhor de Matosinhos – a maior romaria do concelho. Comerciantes queixam-se da sobreposição de datas.

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Na Senhora da Hora há sobretudo farturas Nelson Garrido
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Na do Senhor de Matosinhos, promete-se espectáculos para todos os gostos Nelson Garrido
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Em tempos que já lá vão, a festa da Senhora da Hora ou Nossa Senhora da Boa Hora já foi a mais importante romaria do concelho de Matosinhos. De há duas décadas para cá foi perdendo protagonismo para o Senhor de Matosinhos, há largos anos a maior festa do município. Actualmente, a romaria que chegou a ocupar várias ruas da Senhora da Hora está confinada à Praça das Sete Bicas onde não estão mais do que duas dezenas de carroséis, roulotes de farturas e bancas de venda. Já a festa em honra do Senhor de Matosinhos cresce de importância. Este ano, as duas realizam-se simultaneamente. E uma delas está a sair manifestamente perdedora.

A homenagem à também conhecida como Nossa Senhora do Bom Parto celebra-se este ano a 25 de Maio, 40 dias depois da Páscoa. No entanto, a festa arrancou a 11 de Maio, na semana passada, um dia antes da romaria vizinha, a maior do concelho, dar igualmente início às festividades do santo padroeiro a quem é prestado tributo a 6 de Junho (52 dias depois da Páscoa), dia de feriado municipal.

“Não se percebe porque é que pela primeira vez começaram as duas festas ao mesmo tempo”, diz Manuel Pires, que vende pão com chouriço há 11 anos na Senhora da Hora e considera que a sobreposição de datas pode prejudicar o negócio. A festa que se prolonga até 28 de Maio diz estar cada vez mais pequena e já não ter “a vida” de outros tempos. Com a concorrência que terá este ano o cenário tenderá “a piorar”, antecipa.

“Em Matosinhos comem queijo, aqui dão-nos só pão”, queixa-se Nélson Carvalho que monta a banca de venda na festa há 15 anos. Queixa-se da sobreposição de datas e do espaço da festa que é cada vez “mais pequena”. “Isto agora parece a festa da fartura”, diz. No recinto há oito roulotes de venda deste doce.

Até há dois anos, as bancas de venda ocupavam também parte da Avenida Senhora da Hora. Desde que foi criada a praça das Sete Bicas, em 2015, a festa fixou-se nesse local. Nos últimos anos, até se encontrar um espaço definitivo, a zona dos carrosséis foi mudando de localização: do terreno onde está actualmente a Porto Business School, passando pelo parque de estacionamento junto ao Instituto CUF, até chegar ao terreno onde agora está a festa, ainda antes de ser construída a actual praça. As bancas de venda eram montadas na avenida Senhora da Hora. Depois da construção da praça, toda a festa se transferiu para o mesmo espaço.   

Tem 60 anos e, “desde pequeno”, Carlos Ribeiro ruma à Senhora da Hora na altura da festa. A imagem que tem de outros tempos é a de “multidões” a passearem nas ruas que eram “fechadas ao trânsito”. Gente que dizia espalhar-se pela avenida Senhora da Hora e por parte da Fabril do Norte, na altura também ocupada por bancas até à Circunvalação, que separa esta freguesia de Matosinhos do Porto. “Chegavam excursões de todo o lado”, recorda. Parte da tradição era passarem pelas Sete Bicas para “beberem da fonte”. De há uns anos para cá, diz que a festa perdeu “protagonismo” e “dimensão”.

Não é por falta de motivação da Comissão de Festas da Senhora da Hora (CFSH), afirma António Valente, na associação há sete anos a “carregar o piano” para que ano após ano se continue a realizar. É um “esforço” que é feito com “dedicação” e “devoção” de oito pessoas que compõem a associação presidida pela figura institucional do pároco.

“Não se fazem omeletes sem ovos”, diz Avelino Pedreira, responsável pela área dos divertimentos há 20 anos na CFSH. Seria possível continuar a fazer uma festa maior se existissem “mais meios financeiros” para a organização da romaria.

Para que a festa se realize, a autarquia contribui com 7 mil euros e a junta de freguesia com 4 mil. Para conseguir pagar o orçamento total — 27 mil euros — contam ainda com os donativos de alguns mecenas e com o dinheiro dos anos anteriores que resultam das taxas pagas pelos feirantes para a ocupação do terreno. “Fundamental”, é não terem que pagar o acumulado de 85 mil euros de taxas associadas ao funcionamento da romaria. De acordo com António Valente, sem essa isenção camarária “nunca seria possível” organizar a festa.

Na primeira metade do século XIX, quando a Senhora da Hora era sede do concelho de Bouças, que deu origem ao de Matosinhos, esta romaria que remonta ao início do século XVI, altura em que a capela de Nossa Senhora da Hora foi construída, era a mais importante daquela área geográfica. O protagonismo que tinha começou a decair, de acordo com o responsável pela CFSH, depois do fecho da Empresa Fabril do Norte — Efanor, em 1994, altura em que deixou de ser feriado na freguesia. A também conhecida como Fábrica dos Carrinhos chegou a contar com 3 mil funcionários, sendo que parte deles habitavam nesta freguesia em habitações da empresa, construídas onde está actualmente parte do Norte Shopping. Sem feriado e sem aquela fatia de habitantes “a festa foi perdendo público”, diz António Valente.

O vereador da Cultura de Matosinhos, Fernando Rocha, considera que esta romaria terá perdido algum do protagonismo muito por força do crescimento urbano da Senhora da Hora e da alteração do perfil dos habitantes daquela que é actualmente a segunda freguesia com mais população do concelho (cerca de 30 mil habitantes). Toda a paisagem urbana da área onde se realiza a festa alterou-se nos últimos anos, o que terá implicado “algumas limitações” na montagem da mesma. Com a construção da Praça das Sete Bicas, há dois anos, diz ter-se encontrado a solução para que a romaria se fixe num espaço. Espaço esse que diz ser definitivo, não existindo qualquer intenção de que volte outra vez às ruas.  

Relativamente à sobreposição de datas deste ano, afirma que isso acontece para que os pedidos dos comerciantes que montam banca no Senhor de Matosinhos possam ser atendidos. Na tentativa de uma coordenação com a agenda dos mesmos, que “antes estão noutras feiras e depois partem para outras”, chegou-se a este consenso, que na perspectiva da CFSH, não terá sido a melhor alternativa. A solução mais indicada, dizem, seria prolongar a festa vizinha por mais uma semana em vez de a antecipar.

Pirotecnia com drones 

Um espectáculo pirotécnico com drones é uma das novidades deste ano da festa do padroeiro de Matosinhos. De acordo com a autarquia, é a primeira vez que em Portugal se faz um espectáculo do género. O fogo-de-artifício do Senhor de Matosinhos incluirá quatro drones que, em conjunto com os efeitos pirotécnicos habituais, largarão uma torrente de fogo prateada. Além do fogo-de-artifício, agendado para 3 de Junho, há outra novidade. As tradicionais iluminações da romaria vão beneficiar da tecnologia LED, produzindo uma decoração nocturna em constante movimento e mutação. Este ano, as iluminações serão ainda alargadas ao espaço fronteiro dos Paços do Concelho e à Rua Alfredo Cunha, onde haverá uma nova entrada para a área das diversões mecânicas.

São 250 mil euros de orçamento para a organização da romaria, de acordo com Fernando Rocha, pagos pela Ancima — Associação para a Animação da Cidade de Matosinhos, da qual também é presidente, e pela autarquia. A associação contribui com 220 mil euros, que resultam da receita de anos anteriores, angariada sobretudo com o aluguer dos espaços para os comerciantes, que o município oferece à Ancima, e a câmara paga os restantes 30 mil.

Até 11 de Junho, na festa, que segundo a câmara recebe cerca de 1 milhão de pessoas por ano, haverá ainda a tradicional Feira da Louça, concertos e o espectáculo do fogo dos Bonecos.

A 29 de Maio será também prestada homenagem, com 1 minuto de silêncio, ao jovem que no ano passado faleceu no recinto dos divertimentos mecânicos da romaria na sequência de um acidente num dos carrosséis.  Apesar de todos os equipamentos de diversão instalados na romaria do Senhor de Matosinhos estarem, “à imagem do que aconteceu no ano passado devidamente licenciados pelas autoridades competentes", o responsável pelo pelouro da Cultura diz estar a ser feito um esforço para que todas as normas se cumpram e para que “haja uma maior vigilância”. A máquina, onde aconteceu o acidente não estará este ano na festa, diz, por “uma questão de respeito pela família do jovem”.

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