A salvação do artista

Salvador Sobral poderia facilmente marimbar-se para a Eurovisão, fazendo troça ou distanciando-se. Faz parte da grandeza dele ter-se aproximado.

Tinha-me esquecido do horror da Eurovisão. Foi valente Salvador Sobral. Mostrou-se capaz de transcender aquela falsidade berrante sem se fazer esquisito ou dar parte fraca, escondendo o embaraço com a arte dele de cantar e de estar ali em público e em grande. Havia nele sentido de dever e de humor, como se conseguisse aliar a ironia à dedicação.

A crónica hilariante de Charlotte Runcie, no Telegraph, apesar de sofrer dum número insuficiente de fotografias de Slavko Kalezic, denunciou Amar pelos dois: "mandar uma canção artística e muito bem-feita é, do ponto de vista técnico, fazer batota".

Salvador Sobral foi, vai à Eurovisão com um realismo e uma sensatez invejáveis, recusando-se com elegância a deixar-se ir no provincianismo festivaleiro que tanto quer que "Portugal" ganhe como quer manhosamente que Salvador Sobral "perca", no caso mais do que provável de "Portugal" não ganhar.

Felizmente ele não se deixa influenciar por essas peripécias foleiras e transitórias. O álbum Excuse Me, que só tive a sorte de conhecer depois de escrever aqui sobre ele, é a prova do grande cantor que ele é e do muito que tem para dar a quem gosta de música.

Salvador Sobral poderia facilmente marimbar-se para a Eurovisão, fazendo troça ou distanciando-se. Faz parte da grandeza dele ter-se aproximado. Um público é um público e uma canção bonita é uma canção bonita. Não só não envergonha ninguém mas traz - o que será isto que sentimos a nascer? - um estranho e inexplicável orgulho.

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