Senhor doutor,

Acredite que qualquer um de nós tem a maior simpatia pelas reivindicações que, hoje e amanhã, o poderão levar a fazer greve no SNS. Olhando para a lista que que foi entregue ao Governo, parece justo que, por exemplo, as horas de trabalho extraordinário passem das 200/ano para as 150/ano; que as horas nas urgências sejam reduzidas num terço; que cada médico tenha menos 400 utentes a seu cargo; que existam mais incentivos para trabalhar em zonas carenciadas; que sejam negociados aumentos salariais, mais dias de férias e uma aposentação menos tardia.

Mas hoje, que começa a terceira grande greve dos médicos da última década, tenho o dever de lhe pedir que ponha as coisas em perspectiva. Deixe-me apresentar-lhe três argumentos apenas.

O primeiro é o que o ministro da Saúde já lhe deu em ano e meio: desde Abril que voltou a receber 75% do valor das horas extraordinárias (que tinha sido cortado para 50% quando aqui entrou a troika), sabendo que em Dezembro tudo será reposto; o descanso compensatório voltou a ser pago; o seu rendimento base foi também reposto, com o fim dos cortes salariais e a anulação da sobretaxa do IRS; os prémios para quem se "deslocalize" foram aumentados; e a contratação de recém-especialistas, que o ajudarão no seu trabalho, passou a ser centralizada, deixando de demorar a eternidade que se sabia. A caminho vem mais ajuda: o Governo está a preparar a integração de pessoal nos quadros, reconhendo que há "falsos precários" a trabalhar nos hospitais que (como dizem sempre o PCP e BE) representam "necessidades permanentes dos serviços".

O segundo argumento é que reconheça isto: sabendo que não foi ainda descoberto petróleo no Algarve, o Governo tem dado mais atenção à sua situação, até, do que à melhoria dos serviços prestados. Olhe, por exemplo, para o que o Orçamento do Estado deu aos hospitais; ou repare nos atrasos crescentes no pagamento das dívidas do SNS. Aí tem a prova.

E, por fim, veja o país à sua volta, para a vida que levam os que lhe aparecem à frente. Pense no tempo que as pessoas esperaram pelas consultas que estão marcadas, para o tempo que vai passar até que as consigam de volta. Pense se cada uma dessas pessoas já recuperou a vida que gostaria de ter. E pergunte-se se acha viável pedir tudo isso ao mesmo tempo - sem que o país caísse numa nova aventura ou sem que todos os outros funcionários públicos viessem pedir o mesmo para si.

Pedir tudo isso ao mesmo tempo, senhor doutor, seria como um doente lhe chegar ao consultório e pedir um comprimido contra injustiça. Não é possível, pois não?

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