Macron, um novo monarca franco-europeu

Os Presidentes franceses, com a pompa da República e os poderes que lhes são atribuídos, são muitas vezes chamados “monarcas republicanos”.

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Philippe Lope/Reuters

Se uma celebração de vitória puder servir de presságio do futuro, então a França e a Europa podem ter encontrado em Emmanuel Macron um novo tipo de monarca francês. Um que é tão nacional como europeu, que é moderno mas que busca a tradição. E que também vai ter que começar uma revolução para se manter no poder.

A imagem de Macron a caminhar sozinho na noite de domingo 7 de Maio na majestosa praça do Palácio do Louvre – a residência dos reis de França – transmitia uma sensação de solenidade que é invulgar numa ocasião deste tipo. Esta sensação também foi inesperada para os milhares de apoiantes que esperavam Macron em frente do grande palco montado junto da pirâmide de vidro do Louvre, onde uns DJ tinham passado música tão diversa como o público, que era, na sua maioria, jovem e multiétnico.

Mas a apresentação foi simbólica a vários níveis.

Palco simbólico

O facto de Macron ter entrado ao som do Hino da Alegria de Beethoven – o hino da União Europeia – foi uma afirmação forte das suas ideias: a França já não pode ser ela mesma sem a União Europeia – especialmente depois de derrotar Marine Le Pen, que queria retirar a França da UE.

Esta mensagem foi ousada, num país onde 10,6 milhões de pessoas tinham acabado de votar na candidata de extrema-direita e antieuropeísta Marine Le Pen. Mas foi bem recebida pela multidão reunida no Louvre, onde as bandeiras azuis com estrelas eram quase tão numerosas como a bandeira nacional azul, branca e vermelha – apesar de nem toda a gente ter reconhecido a música.

Pouco antes, Macron tinha afirmado que iria defender “os interesses vitais da França”, bem como “a Europa, a comunidade de destino que os povos do continente deram a si mesmos”. “É a nossa civilização que está em jogo”, disse Marcon, insistindo que queria “reconstruir os laços entre a Europa e os seus cidadãos.” Mas o Presidente eleito, que é firmemente pró-europeísta, tinha outras mensagens para enviar, mais através do estilo do que do conteúdo.

Para muitos franceses, a sua entrada de três minutos, vestido com um casaco preto, fez lembrar François Mitterrand a entrar sozinho no Panteão no dia da sua tomada de posse como Presidente, em 1981. Mitterrand viria a tornar-se o Presidente que esteve mais tempo no cargo, na História da França moderna, durante 14 anos.

Para Macron, esta cena foi uma forma de demonstrar que, apesar de ter apenas 39 anos de idade e de a sua experiência política estar limitada a um período como ministro da Economia, era capaz de se apresentar com a aura de um Presidente de França.

Numa entrevista concedida ao semanário Challenges no ano passado, Macron disse que queria ser um “Presidente jupiteriano”, referindo-se ao conjunto de poderes de Júpiter detidos por um chefe de Estado. Também afirmou que a “autoridade democrática” era “uma capacidade de esclarecer… de enunciar um sentido e uma direcção ancorados na História do povo francês.”

No domingo à noite, quando chegou ao palco – junto da pirâmide construída por Mitterrand – Macron tentou estabelecer uma direcção ancorada na História. Disse que “do Antigo Regime à libertação de Paris [em 1944], da Revolução Francesa à audácia da pirâmide”, o Louvre é “o local” onde “o mundo olha para a França”.

Espírito do Iluminismo

“A Europa e o mundo esperam que defendamos em todo o lado o espírito do Iluminismo que está ameaçado em tantos lugares”, declarou Macron perante a multidão de apoiantes. “Estão à espera que sejamos, finalmente, nós próprios”.

Este tipo de discurso é praticamente obrigatório para qualquer Presidente francês, num país que se orgulha de ser “a pátria dos direitos humanos”. Porém, na França de 2017, onde os dois principais partidos foram afastados na primeira volta das eleições presidenciais e onde a líder da extrema-direita obteve a maior votação de sempre, a celebração feita por Macron da História e dos valores respondia a uma necessidade mais profunda.

“Vou proteger a República”, declarou ele. Pouco antes, tinha reconhecido as “divisões na nação” e “a ira, as dúvidas, a ansiedade que alguns expressaram”. Macron sabe que vai ter de unir um país que está à procura de uma nova prosperidade mas também de uma nova identidade.

De certa forma, a multidão no Louvre representava aquilo que estava em jogo nas eleições, em que muitos français de souche (franceses de pura cepa) escolheram Le Pen como forma de expressar o seu desconforto com a imigração, o islão e um comunitarismo crescente, bem como com a situação económica e o impacte da globalização.

As pessoas que foram aclamar Macron eram de todas as idades, mas maioritariamente jovens. Eram brancos, árabes e negros. Também eram estrangeiros, como um casal belga-romeno que vive em Paris ou o marido brasileiro de um francês, que o EUobserver encontrou. Porém, apesar da alegria de uma vitória nas eleições presidenciais, não havia entusiasmo no ar e a festa terminou pouco depois do discurso de Macron. Ao caminhar à noite por Paris, este jornalista viu poucas pessoas a comemorar e ouviu menos carros a buzinar do que em noites de eleições presidenciais anteriores.

Macron lançou a sua candidatura à Presidência como se fosse uma start-up, com o seu movimento político a parecer-se com uma marca pessoal – o movimento Em Marcha! tem as suas iniciais – e disse que queria “modernizar a França” e “renovar a vida política”.

Vitória de circunstância

Mas Macron sabe que a sua eleição é tanto um produto das circunstâncias – a necessidade de derrotar Le Pen – como uma adesão popular ao seu programa. Também não tem a garantia de vir a conquistar uma maioria parlamentar nas eleições legislativas do próximo mês.

Macron admitiu que os eleitores não lhe passaram um “cheque em branco” e que a tarefa de responder a “dificuldades económicas [e] ao enfraquecimento moral do país” seria “difícil”. Ao apresentar-se como um novo monarca, caminhando sozinho no pátio do Louvre e ao fazer um discurso em frente de uma pirâmide, Macron contradisse, de certa forma, a sua ambição de “transformar” a França e o modo como ela é governada.

Macron expôs-se a críticas mesmo antes de ter a certeza de vir a conquistar aquilo que afirmou ser necessário. Como gritou um apoiante durante o discurso: “As palavras são boas, as acções são melhores”.

Exclusivo PÚBLICO/EUobserver

 

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