O sistema político francês está prestes a sofrer uma profunda reconfiguração

Nada é ainda certo quando falta um mês para eleições legislativas decisivas.

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Reuters/JEAN-PAUL PELISSIER

Marine Le Pen foi batida por muito, sem chegar ao objectivo de obter 40% dos votos (35,2%). Mas isso não é uma derrota: foi a maior votação de sempre da Frente Nacional, que deverá ter obtido perto de 11 milhões de votos. E Le Pen anunciou uma fuga para a frente: a “renovação” do seu partido, “uma transformação profunda do movimento”. Não adiantou pormenores, mas é possível adivinhar que deverá ter alguma coisa que ver com o seu novo aliado, o nacionalista Nicolas Dupont-Aignan, e que se prepara para a campanha das legislativas.

A campanha para as legislativas começou já neste domingo, abertamente. Terminado o período de nojo em que se evitaram críticas entre socialistas e republicanos para não prejudicar as possibilidades de eleição de Emmanuel Macron, os comentadores de cada um destes partidos começaram já a afiar as facas nas televisões, ensaiando críticas, preparando espaço para a campanha — para o que se anuncia uma complicada reconfiguração do espaço político francês.

Marine Le Pen quer refazer a casa, ligando-se provavelmente às forças mais reaccionárias dos gaulistas, que nesta segunda volta das presidenciais se desmascararam, ousando expressar-lhe o seu apoio. Mas Jean-Luc Mélenchon posicionou-se como a verdadeira alternativa de esquerda, agora que o Partido Socialista está partido em facções e a sua expressão eleitoral, com Benoît Hamon como candidato, pouco passou dos 6%.

Mélenchon falou pouco depois de Macron ter feito o discurso em que assumiu a vitória e reivindicou o quinhão da sua França Insubmissa no resultado. “Através da abstenção, o voto branco e nulo, o país recusou de forma maciça a extrema-direita, que é alheia à identidade republicana de França”, afirmou, numa referência aos valores recorde da abstenção (quase 25%) e o chamado voto de protesto (brancos e nulos juntos somaram 11,8% do total de votos). “O programa do novo monarca presidencial é conhecido. É a guerra contra as conquistas sociais e a irresponsabilidade ecológica”, declarou. “Apelo aos sete milhões de pessoas que se juntaram em torno do programa pelo qual fui candidato para que se mobilizem e continuem unidas [...]. A 18 de Junho, a nossa resistência pode ganhar a batalha.”

É uma clara declaração de guerra. Le Pen, para todos os efeitos, é a líder da oposição. Macron apelou à mobilização das suas hostes, mas não se conhecem os seus candidatos, nem se formará um partido novo. O que será o Partido Socialista é também uma incógnita — desde já, o que acontecerá com o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, que ofereceu a Macron um bloco progressista —, mas o novo Presidente diz que só aceitará deputados eleitos com a sua etiqueta, e não com a de outro partido.

Muitos analistas vêem espaço para a formação de um outro partido em França, com personalidades moderadas de Os Republicanos e do PS. Fora do movimento En Marche! de Macron? Ou a apoiar o novo Presidente? Essa é a dúvida. Várias figuras têm-se oferecido para colaborar com ele — o republicano Bruno Le Maire, por exemplo, o que lhe valeu críticas de outros elementos do partido.

Há apenas um mês até às legislativas — a primeira volta é a 11 de Junho. Mas é certo que este vai ser um dos meses mais loucos da política francesa, para todos os quadrantes ideológicos.

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