Os dinamarqueses não baixam os braços pelo Portvin

A Quinta da Boeira começou a exportar vinho do Porto em Janeiro e uma das suas primeiras apostas foi a Dinamarca. Porquê? Neste pequeno país, o Portvin é um clássico que teima em não sair da moda.

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A Dinamarca é o sétimo maior cliente de vinho do Porto em todo o mundo MANUEL ROBERTO

O que tem um país como Portugal para vender a um país como a Dinamarca, que com os seus 5,7 milhões de habitantes não deixa de ser um mercado pequeno, apesar do seu elevado nível de riqueza per capita (35.500 euros, contra 22.240 dos portugueses, em 2015)? Calçado, sem dúvida. Têxteis e vestuário, como seria de esperar. E, cada vez mais, vinho. A Quinta da Boeira, uma empresa de Vila Nova de Gaia que nasceu há poucos anos para o turismo e que se inscreveu como exportadora de vinho do Porto apenas em Janeiro deu prioridade à aposta no mercado dinamarquês para desenvolver a sua estratégia no exterior por alguma razão. “Este é um dos mercados mais interessantes nos dias que correm”, diz Albino Jorge que, depois de uma longa carreira no sector, é hoje o administrador da Boeira.

A Dinamarca é o sétimo maior cliente do vinho do Porto. No ano passado, importou 12,5 milhões de euros de Portvin (cerca de milhão e meio de litros, ou seja, 0,30 litros por habitante). Mas, mais importante do que este número, é o facto de o vinho que os dinamarqueses bebem ter um preço médio de 8,12 euros por litro, valor cerca de 40% acima da média do sector. E, ao contrário da maior parte dos mercados, o da Dinamarca está a registar um forte crescimento, principalmente na gama das categorias especiais (Vintage ou vinhos mais velhos), que no ano passado aumentaram 10,1%.

O que se está a passar? “Nós temos uma longa relação com o vinho do Porto”, diz Frederik Bang, da Portugisisk Vinkaelder, uma importadora. Pode ser por causa do clima, que exige vinhos quentes e fortes; pode ser pela persistência de jornalistas como Henrik Oldenburg, autor de um livro em dinamarquês sobre o vinho do Porto que já vai na quarta edição; pode ser pelo facto de o dia do vinho do Porto, que se celebra na primeira segunda-feira de Novembro de todos os anos na capital dinamarquesa, se ter tornado um evento tradicional; mas na origem deste sucesso está sem dúvida o nome de Estrela Leão, que durante décadas foi o director do actual AICEP em Copenhaga. 

No salão nobre da velha bolsa de Copenhaga, onde decorreu esta quinta-feira uma acção promocional de produtos portugueses, há uma série de quadros no tecto com os brasões das grandes cidades portuárias da Europa do Norte de outros tempos – Hamburgo, Amsterdão, Riga, São Petersburgo. A capital da Dinamarca tem uma velha relação com os barcos (é a sede da maior companhia do mundo de navegação, a AP Moller-Maersk, que emprega 89 mil pessoas), o que torna mais facilmente compreensível a estratégia de associar a promoção a uma exposição de miniaturas de naus e galeões portugueses da época dos Descobrimentos construídos ao longo dos últimos 27 anos pelo artesão Albino Costa. A história náutica de Portugal foi explicada aos presentes pelo historiador Gonçalves Guimarães.

Um grupo de importadores, de escanções, jornalistas, embaixadores e clientes endinheirados sentaram-se sob o tecto dos brasões para provar vinhos do Porto da Boeira com dez anos, 20 anos, 30, 40 anos e um vinho velhíssimo, datado de 1916, que a empresa comprou à família do médico e ex-deputado do PS, Manuel Strecht Monteiro. Hoje, “quem mais compra e bebe vinho do Porto são pessoas de meia-idade, que aprenderam a apreciá-lo em casa com os seus pais”, diz Rasmus Vejbaek-Zerr, escanção e director do Rotunden, o maior supermercado da Dinamarca, situado na zona mais rica de Copenhaga – “uma zona parecida com Cascais, está a ver?”, observa. E não, nada indica pela sua experiência que o vinho do Porto esteja hoje afastado dos mais jovens. “Eles interessam-se em saber e estão dispostos a experimentar”, nota.

A maior parte do vinho do Porto adquirido pelos dinamarqueses consome-se em casa, normalmente como digestivo. Mas há quem prefira consumi-los em bares. O hotel Brochner SP34 apresenta-se como dono do “maior bar de vinho do Porto da Dinamarca” e se a maior parte dos clientes que procuram os seus aposentos são estrangeiros, “a maioria dos frequentadores do bar são dinamarqueses”, diz Karim Nielsen, administrador desta cadeia de hotéis-boutique. “Na Dinamarca, o vinho do Porto é um produto trendy (de moda)”, explica. Sendo ele “um apaixonado” pelo vinho do Porto, não se contenta em ter um bar exclusivo para os que partilham o seu gosto. Como Rasmus Vejbaek-Zerr, também se preocupa em organizar provas para os seus clientes. “A procura é enorme”, justifica.

Na mostra que se fez na Bolsa, havia vinhos de Carcavelos, de Lisboa (o único branco do mundo produzido com a casta Jampal, uma variedade nacional que praticamente se extinguiu), Verdes, conservas e queijo de São Jorge. Depois da sessão da manhã para VIP, a parte da tarde destinou-se a clientes especiais de produtos portugueses. O que ali se promovia era, afinal, uma série de produtos que, não sendo destinados aos grandes volumes de exportação, acrescentam pontos numa balança comercial que, em 2015, valeu 305 milhões de euros para a economia. Aos 1123 empresários ou empresas portuguesas que deram a cara por estes números juntam-se agora a Boeira, a Manzvinhos que produz o branco com a casta Jampal, a Casa de Senra ou a Câmara de Oeiras, que foi a Copenhaga promover o vinho de Carcavelos. À boleia da devoção dos dinamarqueses pelo vinho do Porto, parecia mais fácil cativar os clientes. E, talvez, fazer negócios.

*Em Copenhaga; o jornalista viajou a convite da Quinta da Boeira

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