Nutricionistas: quando as associações recusam a big food

Em Espanha surgiu o grupo Dietética Sin Patrocinadores. No Brasil foi feita uma lista e as redes de fast-food estão fora. Nos EUA nasceu um grupo de nutricionistas preocupados em conter o que consideram ser a influência excessiva da indústria na sua área.

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Rui Gaudencio

O debate sobre os patrocínios da indústria alimentar a iniciativas de nutricionistas não acontece apenas em Portugal. No Brasil, por exemplo, a Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN) elaborou em 2015 uma lista de “critérios para o estabelecimento de parcerias, apoios e patrocínios” que exclui todas as empresas que comercializam ou promovem “bebidas de baixo valor nutricional; bebidas alcoólicas e alimentos com elevada quantidade de açúcar e/ou gordura saturada e/ou gordura trans e/ou sódio”.

De fora ficam ainda as empresas ligadas a alimentos transgénicos, produtos para emagrecimento sem provas científicas dos seus efeitos ou que prometem “milagres”, produtos ultraprocessados, redes de fast-food e que tenham “políticas e práticas de conflito com a saúde”. Em 2016, a ASBRAN foi uma das organizadoras do XXIV Congresso Brasileiro de Nutrição, que considerou “uma experiência bem sucedida de se realizar um grande evento sem interferência de interesses mercadológicos no seu programa científico”. 

A iniciativa da ASBRAN é uma resposta às cada vez mais insistentes tentativas de aproximação da indústria, que, se é uma realidade no Brasil, é-o ainda mais nos Estados Unidos. Um relatório de 2013 sobre a influência da chamada big food sobre a Academy of Nutrition and Dietetics (AND) revelava que entre 2001 e 2011 o número de patrocinadores dos eventos ligados à indústria triplicou.

Segundo o relatório And now a word from our sponsors: Are America’s nutrition professionals in the pocket of Big Food?, de Michele Simon, entre os principais patrocinadores da AND estão empresas como a Coca-Cola, a Nestlé ou a PepsiCo, a Kellog e associações de produtores de carne e de lacticínios. “Quando vai a encontros anuais da profissão e vê patrocinadores como a Coca-Cola, o que é que isso lhe diz enquanto investigador?”, pergunta Simon, que é também autora do livro Appetite for Profit. “Diz que é perfeitamente aceitável dizer que sim quando, no dia seguinte, o responsável pelo departamento científico da Coca-Cola disser ‘vamos juntar-nos para fazer investigação’.”

Foi o relatório de 2013 que levou à criação, nesse ano, do Dietitians for Professional Integrity, iniciativa de um grupo de nutricionistas preocupados em conter o que consideram ser a influência excessiva da indústria na sua área. “Acreditamos que receber dinheiro de empresas que gastam milhões de dólares para promover produtos que não são saudáveis, prejudicando a saúde pública, afecta a nossa reputação e reduz a confiança do público”, escrevem no seu site, sublinhando que “as empresas alimentares e de bebidas são das maiores do mundo, com sistemas financeiros maiores que os de muitos países”.

O tema chegou também a Espanha, onde surgiu o grupo Dietética Sin Patrocinadores, que defende que “a saúde e a nutrição devem ser conhecidas pelo público e os profissionais com informação actualizada e, sobretudo, sem influência alguma por parte da indústria”. Baseando-se em voluntariado, organizam mensalmente aquilo a que chamam um hangout, uma conversa em directo pelo youtube e, anualmente, as Jornadas DSP “livres de pressões e patrocínios da indústria alimentar”.

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