População global: o impacto da evolução

Faltam a Portugal e à Europa uma perspicaz visão estratégica do futuro e ideias inteligentes para confrontar um mundo que cresce e muda radicalmente.

Falta, na sociedade contemporânea, uma perceção lúcida e prospetiva de como o mundo das próximas décadas será profundamente modificado pelas tendências de crescimento da população mundial, bem como pelas assimetrias que esse processo induzirá. Essas alterações irão redistribuir os protagonismos e poderes mundiais, criar tensões e conflitos no controlo de recursos naturais, forçar imensas transformações políticas e definir uma nova geografia global da produção de bens e serviços e dos mercados consumidores, bem como da criação científica e tecnológica. No contexto desse turbilhão que se aproxima, uma das regiões que sofrerão um maior impacto é, precisamente, a Europa. Todavia, tipicamente as atenções predominantes dos políticos e dos media são pormenores que se esgotam no curto-prazo. A nossa sociedade distraída é crescentemente míope e esse facto impõe-nos uma perigosa vulnerabilidade. Refletir um pouco agora poderá ser criticamente útil para o nosso futuro.

Desde há apenas dois séculos a população mundial cresceu mais de sete vezes e até final deste século terá crescido 11 vezes, impondo-se uma pressão crescente sobre os recursos de um planeta que é finito. Nos últimos 60 anos, a população global triplicou, prevendo-se que atinja os oito mil milhões por volta de 2025, começando então a desacelerar o ritmo de crescimento e atingindo os nove mil milhões aproximadamente em 2045 e os 11 mil milhões antes de 2100.

A população não cresce uniformemente nos vários continentes. Do crescimento previsto para as próximas quatro décadas, mais de 90% terá lugar nos países em desenvolvimento e mais de metade ocorrerá em África, cuja população duplicará. Em 1950, a população da Europa era o triplo da da África subsaariana, mas em 2100 os africanos dessa região serão cinco vezes mais que os europeus. Existem cerca de 200 países, mas só a China e a Índia detêm quase 40% da Humanidade. Isto é, a população mundial não cresce simplesmente; também redefinirá a correlação demográfica entre as sociedades dos vários continentes, induzindo gradualmente novos poderes comparativos na economia, no emprego, no consumo, na capacidade financeira e na força militar.

Contudo, as projeções demográficas a longo prazo envolvem algum grau de incerteza sobre o comportamento de alguns fatores. Por exemplo, embora seja indiscutível que o desenvolvimento económico e a profissionalização das mulheres tendem a induzir um decréscimo da natalidade, é difícil quantificar esse efeito dentro de diversas décadas, em particular em algumas áreas da Ásia e em África.

Verificar-se-á uma fortíssima aceleração da pressão sobre os recursos do planeta, desde a expansão das áreas aráveis e da exploração dos oceanos até ao consumo de energia, água e recursos minerais.

Existe um risco real de se registarem graves guerras regionais e globais ao longo deste século em consequência da luta pelo controle daquele tipo de recursos essenciais para a vida de cada comunidade. No entanto, também é importante desdramatizar algumas perceções neste âmbito.

A evolução tecnológica tem sido revolucionária e sê-lo-á ainda mais nas próximas décadas, criando novas soluções e novas metodologias. Foi essa progressão da tecnologia que, apesar de tudo, nos permite atualmente sobreviver razoavelmente num planeta com mais de sete mil milhões de pessoas. Há 200 anos, a população mundial era um sétimo da atual e, se a tecnologia não tivesse evoluído desde então, a população global que hoje ostentamos não teria sobrevivido com a tecnologia de então. A evolução tecnológica acumulada nestes dois séculos permitiu que a produtividade de cada ser humano tenha aumentado enormemente. A produção per capita neste período aumentou cerca de 1100%. É isso, essencialmente, que hoje permite à Humanidade sobreviver com os recursos disponíveis. Esta evolução tecnológica acelerará com os anos e permitirá novas vias para fazer mais, consumindo menos recursos, num contexto de crescimento demográfico que continuará, mas em posterior desaceleração. Apesar de tudo, existirão graves vulnerabilidades. A excessiva exploração dos oceanos é um desses casos e a produção de alimentos induzirá períodos e riscos muitíssimo preocupantes, num planeta onde mil milhões de seres humanos já se confrontam com a fome grave. Iremos testar os nossos limites críticos, com cenários que integram perigosas incertezas.

A água, da qual dois terços são usados na agricultura, irá escassear em algumas regiões do mundo. Uma população mundial de 11 mil milhões, que será atingida no final deste século, não poderia viver com os níveis de consumo energético que hoje exercemos. Mas, como sucedeu no passado, também no futuro muito se progredirá no que se refere à conservação e eficiência energéticas e a novas tecnologias de produção de energia. Uma população de 11 mil milhões também seria insustentável no plano da alimentação se presumirmos as tecnologias atuais de produção de alimentos e os nossos presentes padrões de consumo no mundo mais desenvolvido, para os quais tenderão os países hoje em desenvolvimento. Na próxima década entrarão na classe média mundial (o grande grupo consumidor) mais de mil milhões de novos consumidores nas nações em desenvolvimento. A biotecnologia e a genética serão fulcrais para a sobrevivência da Humanidade e para evitar graves guerras pelo acesso a alimentos.

A geografia do consumo de recursos mudará ao longo das próximas décadas, deslocando-se gradualmente da Europa, da América do Norte e do Japão para as nações em desenvolvimento que, mesmo antes da atual crise financeira da Europa, já exibiam um crescimento económico que era, em média, mais que o triplo do dos países mais desenvolvidos. A Europa declina e luta para evitar implodir, mas a maior parte do mundo cresce com uma pujança fulgurante.

Nas próximas décadas, a conjugação da explosão demográfica das nações em desenvolvimento com o seu superior ritmo de crescimento económico conferir-lhes-á um grande poder financeiro, político e militar que não detinham no passado. Será um novo mundo, com uma nova correlação de poderes, com novos atores que possuem diferentes visões do mundo, dos valores e do indivíduo. Será um mundo mais complexo em que a Europa será cada vez mais minoritária em população, em poder de produção, em força de consumo, em capacidade financeira e em influência política. Nunca na história da Humanidade a população mundial cresceu a um ritmo alucinante como o atual e como o que se projetará nas próximas décadas. Contrariamente ao que sucedeu ao longo dos últimos séculos, o mundo não estará a crescer à imagem do Ocidente. O mundo está a crescer, quantitativa e qualitativamente, mas fora da Europa e dos seus parâmetros.

A situação da Europa, já agora em fragilização em múltiplos aspetos, colherá algumas graves consequências destas dinâmicas demográficas. Enquanto o acréscimo de população da Índia nos próximos 35 anos será muito superior a toda a população da Zona Euro, muitos países europeus perderão população. Até 2080 a Alemanha perderá 30% da sua população endógena. Mesmo com uma imigração líquida de dez milhões, a população residente neste país diminuirá em 15 milhões. Até final deste século, Portugal poderá perder 28% do presente nível de população. Serão mudanças com impactos devastadores. Na União Europeia, apenas dois países aumentarão sensivelmente as suas populações — o Reino Unido (mais 21 milhões de habitantes) e, em segundo lugar, a França (mas 13 milhões).

Enquanto nos distraímos com as irrelevâncias que cada político ou “personalidade” amplificada pelos media produz diariamente, escasseia a compreensão de que, muitíssimo para além das tricas e do problema do défice e da dívida nos próximos anos, faltam a Portugal e à Europa uma perspicaz visão estratégica do futuro e ideias inteligentes para confrontar um mundo que cresce e muda radicalmente.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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