Venezuela: quem não está com o poder, é traidor à Pátria

Como na Rússia ou na Turquia, a democracia é uma miragem.

Detenções sem mandado judicial utilizando de forma discricionária e arbitrária o conceito de flagrante delito para justificar evidentes violações de direitos humanos, detenções com total desrespeito das imunidades parlamentares, falta de independência dos magistrados judiciais uma vez que 65% dos juízes colocados em tribunais estão numa situação temporária, criação de “crimes contra a defesa da Pátria” com a utilização de termos ambíguos e de interpretação discricionária e a manutenção de presos em celas solitárias sem direito a visitas são algumas das violações de direitos humanos que a Amnistia Internacional denunciou na passada quarta-feira no seu relatório Silenciados à Força: Detenções Arbitrárias por Motivos Políticos na Venezuela.

Se é assustador vermos a subida do confronto entre os EUA e a Coreia do Norte, não é menos angustiante apercebermo-nos da evolução da situação política e social na Venezuela numa espiral de confrontação e de violência que parece não ter fim.

O relatório da Amnistia Internacional sobre cada um dos aspectos que refere no disfuncionamento do sistema judicial venezuelano aponta exemplos concretos de opositores detidos sem o respeito das normais legais: José Vicente Garcia, Gilber Caro, Raul Emilio Baduel, Alexandre Tirado, Villca Fernández, Steyci Escalona, Yon Goicoechea, Marcelo Crovato são alguns dos presos que não sabemos se são heróis mas que, não temos dúvidas, são vítimas. Vítimas de um Estado cada vez mais policial e militarizado onde a polícia política SEBIN (Servicio Bolivariano de Inteligencia Nacional) faz prisões arbitrárias e mantém locais de detenção ilegais. Os abusos do poder chegam ao ponto de as ordens judiciais de libertação de presos não serem obedecidas pela SEBIN, sendo certo que, por outro lado, os próprios tribunais, quando não se querem pronunciar sobre pedidos de libertação dos presos opositores políticos, “fecham” os seus serviços durante meses!

A situação destes silenciados à força denunciada pela Amnistia Internacional é apenas uma das facetas da trágica situação que se vive numa Venezuela mergulhada numa profunda crise económica, em recessão há três anos e com confrontos nas ruas quase diários.

São conhecidos os argumentos de um e do outro lado que se confrontam na Venezuela. Do lado do poder, os chavistas dizem que a actual situação decorre do boicote internacional liderado pelos EUA e apoiado internamente por uma burguesia elitista e golpista conjugada com uma descida acentuada do preço internacional do petróleo, praticamente a única receita do Estado venezuelano. A oposição interna e os EUA não perdoaram a nacionalização das empresas petrolíferas e a redistribuição da riqueza nacional com a saída da miséria de um imenso número de venezuelanos. O discurso de Maduro — apoiando-se no Exército — é claro: ou nós ou eles, não há meio-termo e os que não estão com o poder são traidores à Pátria.

Do lado da oposição, a situação não poderia ser mais evidente: as políticas económicas do governo são um total falhanço, as faltas de mantimentos, medicamentos e de praticamente tudo são a prova de que o poder não serve o povo, que tem, hoje em dia, piores condições de vida. Por outro lado, o poder chavista tem sistematicamente afrontado as instituições democráticas, sendo o mais recente exemplo a decisão — depois revogada face à indignação generalizada — da Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça de retirar à Assembleia Nacional, onde a oposição tem a maioria, os poderes legislativos que passava a assumir. Convém saber que estes juízes do Tribunal Supremo foram todos nomeados pela anterior Assembleia Nacional então dominada pelos chavistas.

Entretanto, o Presidente Nicolás Maduro, não satisfeito com o facto de ter suspendido as transmissões dos canais CNN (EUA) e El Tiempo Television (Colômbia), aproveitou os mais recentes acontecimentos para temporariamente suspender as emissões de televisão de dois canais nacionais que tinham transmitido imagens das manifestações da oposição. Para um amigo meu, o militarismo ideológico dos chefes castristas cega-os sobre a compreensão da dinâmica social. Na verdade, sem uma justiça independente e uma imprensa livre, a democracia deixa de existir. 

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