Quando a França e a Europa dependem de Macron

Apesar das ambiguidades do seu percurso, Emmanuel Macron é a única esperança que resta à França – e à Europa – neste momento decisivo.

A França que hoje vai votar na primeira volta das presidenciais é um país doente, deitado num divã de psicanalista. Um país que sofre de depressão aguda, obcecado com os fantasmas do seu declínio histórico e da sua grandeur perdida, prisioneiro de tentações extremas cristalizadas no tempo entre a Revolução e a Ocupação, entre Robespierre e Maurras – o arauto do jacobinismo sangrento e o pensador da extrema-direita nacionalista que seria, por contradição apenas aparente, o inspirador intelectual do regime de Vichy (com a França colaborante e submissa perante o nazismo).

A nova versão desta França é encarnada por Marine Le Pen que, nos últimos tempos, tem acentuado o seu discurso xenófobo, nacionalista e anti-europeu, gabando-se de que, com ela, não teria havido atentados terroristas no país e prometendo que haverá – se vencer – uma moratória “total, imediata, sobre toda a imigração legal”. É ela precisamente a principal beneficiária do atentado terrorista da passada quinta-feira nos Campos Elísios e cujo forte carácter simbólico – apesar de ter sido muito menos mortífero, em comparação com atentados anteriores – acabou por adensar ainda mais o clima de incerteza e paranóia em França, na Europa – e até no mundo.

Num exemplo de que os extremos por vezes se tocam, a imagem inversa de Le Pen no espelho do populismo delirante é representada por Jean-Luc Mélenchon, para quem os novos Robespierres são de inspiração latino-americana, como o venezuelano Hugo Chávez ou Rafael Correa, até há poucos dias Presidente do Equador. Coincidência reveladora: Le Pen e Mélenchon partilham uma admiração comum por Vladimir Putin (no que são acompanhados por François Fillon, o candidato da direita tradicional).

Com o seu talento de demagogo truculento, prometendo mundos e fundos para além de qualquer cenário político ou económico verosímil, Mélenchon tem conquistado terreno à esquerda, sendo já apontado como um dos quatro favoritos a disputar a segunda volta das eleições, a 7 de Maio (entre os quais se incluem Emmanuel Macron, Le Pen e Fillon). Pormenor sintomático: oito dos onze candidatos que hoje se apresentam às urnas são, uns mais declaradamente do que outros, contra a União Europeia e o euro. Aliás, Macron é o único candidato com uma posição mais claramente pró-europeia.

Como chegou a França a esta situação sem precedentes, em que mais de um quarto dos eleitores se mantinham ainda indecisos nas vésperas da votação e a diferença entre os quatro favoritos não permitia antecipações seguras? Por mais interpretações que se façam, nenhuma explicação parece satisfatória, até porque, apesar da crise de auto-confiança na qual mergulhou desde os tempos já remotos de Mitterrand, com o desemprego e a insegurança em crescendo e a distância económica em relação à Alemanha a acentuar-se, a França continua a ser um dos mais poderosos países europeus. Evidentemente, o desastroso e quase patético mandato de Hollande, na sequência de outro clamoroso fracasso que foi a presidência de Sarkozy, só contribuíram para agravar o panorama depressivo – com o sentimento de vulnerabilidade, depois de vários atentados terroristas, a ferver na cabeça dos franceses.

Isso explica também que a paisagem política à esquerda e à direita se encontre em vertiginoso processo de implosão: o PS já não poderá estar representado na segunda volta e Os Republicanos, através de Fillon, vêem também essa perspectiva altamente em risco. Mas que os populismos da extrema-direita e da extrema-esquerda sejam apontados como possíveis alternativas políticas nas presidenciais constitui um cenário verdadeiramente assustador.

Não é assim surpreendente que o candidato mais jovem, menos extremado do ponto de vista ideológico, mais inovador nas suas propostas, apareça como a única aposta numa “reconfiguração das forças políticas, que se faz esperar desde há muito tempo”, conforme lembrava recentemente Habermas, um dos mais influentes filósofos contemporâneos. Apesar das ambiguidades do seu percurso, Emmanuel Macron é a única esperança que resta à França – e à Europa – neste momento decisivo. Isso explica, aliás, o movimento de convergência que suscitou entre algumas das figuras mais representativas, à esquerda e à direita, do desejo de renovação da política francesa e europeia.    

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