Mas afinal o que é isso do regresso do vinil?

O vinil está de volta, ouvimos dizer muitas vezes nos últimos anos. No dia em que se celebra o Record Store Day, fomos procurar descobrir a quatro lojas lisboetas, a Louie Louie, a Carbono, a Flur e a Megastore, o que quer isso dizer.

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"Há 20 anos diziam que, daí a pouco tempo, não restariam mais que meia-dúzia de maluquinhos a comprar vinil", conta Nuno Efe, da Megastore Nuno Ferreira Santos
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A Flur, em Santa Apolónia, abriu portas em 2001 e tem sido testemunha desse renovado interesse no vinil Nuno Ferreira Santos
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João Moreira, da Carbono, na Rua do Telhal, é peremptório: "É uma moda". Nuno Ferreira Santos
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Na Louje Louie, na zona do Chiado, começaram a aparecer miúdos a olhar admirados para discos de vinil dos Arctic Monkeys ou Kendrick Lamar Nuno Ferreira Santos

Não é de agora. “O vinil está de volta”, assim tem sido escrito na última meia década na imprensa, isso terão ouvido pais, ao verem os filhos da geração online a lhes aparecerem com discos da sua adolescência debaixo do braço. Mas parece haver sinais de não estarmos perante um entusiasmo momentâneo. No início deste ano, a indústria fonográfica britânica anunciou as maiores vendas de sempre do formato desde 1991 (3,2 milhões em 2016). Nos últimos anos, não só se solidificou a procura nas lojas independentes, como voltámos a vê-lo nos grandes espaços comerciais. E vimos como as multinacionais se viraram novamente para o formato. É certo que o consumo de música em formato digital, principalmente o streaming, predomina sobre todos os outros, mas, paralelamente, cresce o apelo do velho formato.

À medida que se aproximava o Record Store Day que se celebra este sábado, efeméride nascida em 2007 com o objectivo de celebrar as lojas independentes de música, e que se tornou rapidamente um acontecimento global, marcado por um número crescente de edições comemorativas, visitámos quatro lojas lisboetas, a Carbono, a Louie Louie, a Flur e a Megastone, para perceber que conversa é essa do vinil estar de volta.

As vozes críticas que se vêm erguendo em volta do Record Store Day acabam por ser, também, parte da história deste “regresso” do vinil. Acusam-no de ter desvirtuado a sua função principal, dar relevo às lojas independentes enquanto espaço de descoberta e partilha, de se ter aberto ao grande comércio, de ter sido canibalizado pelas multinacionais, hoje responsáveis pela maioria das edições comemorativas da data – este ano, a data será assinalada internacionalmente, por exemplo, com Cracked Actor, álbum ao vivo de David Bowie, registado em 1974. Não por acaso, ouviremos a expressão “objecto de luxo” aplicada ao que é, hoje, um disco de vinil.

No fundo da pequena loja-livraria Megastore, está o gira-discos onde roda um disco ao vivo dos Deep Purple. Nuno Efe, co-fundador e responsável pela parte musical do espaço, está a testar um disco que não tardará a ganhar lugar na montra. Nuno Efe, como, de resto, todos aqueles que contactámos, vem do antes. Do antes da recente redescoberta do vinil. Há seis anos, pegou na parte da colecção que não lhe interessava e tornou-se vendedor – podemos encontrá-lo semanalmente na Feira da Ladra. Desde o final de 2016 promove na Megastore, no Largo do Intendente, a “cultura de proximidade” que tanto preza nestas questões da melomania. O tempo reencontrou-se com ele. “Há 20 anos diziam que, daí a pouco tempo, não restariam mais que meia-dúzia de maluquinhos a comprar vinil”, diz. “Hoje, e mesmo que o crescimento não venha a ser tão continuado como nos últimos anos, sabemos que não vai ser assim”.

Na Louie Louie, nascida no Porto (encontramo-la na Rua do Almada) e que há dez anos se estendeu a Lisboa, na zona do Chiado, Jorge Dias assinala ao longo dos anos um declínio na venda de CD, em favor da compra do vinil. Conta-nos como começaram a aparecer na loja “miúdos que ficam fascinados a ver os discos dos Arctic Monkeys ou do Kendrick Lamar": "Adoram mexer-lhes e ver todo aquele aparato gráfico. Mesmo que não comprem logo, fica o ‘bichinho’”. Quando tudo é virtual, um objecto assim impressiona. Esse é, concordam todos, um dos aspectos que conduz a este renovado entusiasmo com o formato. “Acho que a maior parte das pessoas não compra o vinil para o ouvir simplesmente”. Além disso, como refere André Santos, e entretanto já largámos o Chiado e já estamos em Santa Apolónia, casa da Flur, portas abertas desde 2001, “podemos sempre oferecer o objecto físico, ou vendê-lo mais tarde, algo que não é possível com o digital”. Acrescenta que “o próprio formato impõe a audição de música de uma forma diferente, menos automático e distraído que no digital”.

A antiguidade do formato parece também reflectir-se na procura. Mais que novidades, a maioria dos compradores persegue os clássicos, os Pink Floyd, os Led Zeppelin, Jimi Hendrix. Jorge Dias começou a ver gente pegar nos Bee Gees ou na banda-sonora de Grease, e André Santos diz que a reedição de Nevermind, dos Nirvana, é um dos discos mais procurados. “Fico com a sensação que já têm o disco em CD, mas que querem o objecto. Nem sei se o vão abrir”.

Certo é que, neste momento, o crescimento do vinil é indesmentível. A sua evolução num grande espaço como a cadeia FNAC, dominante na venda de música em formato físico, é sintomática. Números adiantados ao PÚBLICO dão conta de um crescimento de 30 por cento nas vendas de 2016, relativamente ao ano anterior, e uma quadruplicação em dois anos do espaço ocupado pelo vinil nas suas lojas. Este sábado de Record Store Day, não por acaso, os Linda Martini darão um concerto gratuito nos Armazéns do Chiado, às 18h, promovido pela FNAC. A ocasião servirá para apresentar uma edição especial da banda de Casa Ocupada: um vinil colorido de 7” com Dez tostões e Era uma vez o corpo humano.

Como sempre acontece quando falamos de consumos culturais, há algo que não deve ser negligenciado: “É uma moda”, exclama João Moreira atrás do balcão da Carbono, a loja com mais de duas décadas que encontramos na Rua do Telhal. João Moreira lembra-se bem de como, nos anos 1990, lhe entravam porta dentro clientes que pretendiam desfazer-se da sua colecção de vinis para a trocarem pela novidade tecnológica que era então o CD. Dizia-lhes então o mesmo que diz hoje aos que chegam para se desfazerem das colecções de CD. “Não despache tudo que ainda se vai arrepender”. João Moreira até vê de tempos a tempos pais entrarem com os filhos na loja e de lá saírem ambos com discos debaixo do braço, como vê como a indústria "aproveita para fazer negócio com um política de reedições a preços altíssimos, com clássicos já editados e reeditados a surgirem novamente em vinis a 30 euros”, mas tem uma certeza. Para ele, depois da euforia vivida neste momento, o digital irá impor-se sobre tudo o resto e os compradores de vinil serão, no futuro, “um pequeno nicho como o dos coleccionadores de selos”.

Concordando que o factor moda é indissociável do crescimento recente das vendas de discos de vinil, os restantes interlocutores do PÚBLICO não são tão drásticos como João Moreira. Nuno Efe acredita que as plataformas de streaming democratizaram o processo de descoberta e que o entusiasmo com a descoberta conduz à compra de discos. Jorge Dias recorda que desde o final dos anos 1990 que se fala do fim da música em formato físico, sem que essa morte tenha chegado. André Santos prenuncia a coexistência de todos os formatos como o futuro mais provável, lembrando que muitas edições em vinil incluem códigos para descarregar o álbum em MP3: “Gastando aproximadamente o mesmo, fica-se com o objecto físico".

Enquanto o futuro não chega, continuemos no presente. O deste sábado é marcado pelo Record Store Day. Será assinalado, em Portugal, em duas dezenas de lojas, de Lisboa a Aveiro, do Porto a Braga. Na Flur, haverá concertos (Vaiapraia, Bruxas/Cobras, Berllioz e Zenner) e dj sets (Tsuri e Florêncio, Gonçalo Siopa) a partir das 13h. 

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