O direito ao erro dos jornalistas é a certeza de termos direito à informação

Afinal, segundo o Tribunal da Relação de Lisboa, não foi “uma canalhice”.

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) absolveu o mês passado o jornal Correio da Manhã, a revista Sábado e os seus jornalistas de um pedido de indemnização de 500.000 euros apresentado em tribunal pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates.

A queixa fora apresentada em virtude da publicação, em finais de Julho de 2014, de notícias em que José Sócrates era referido como suspeito no caso Monte Branco e em que se avançava que o Ministério Público ponderava detê-lo para interrogatório. Mais se referia que os outros suspeitos eram “o primo que apareceu no caso Freeport e o amigo que comprou as casas da mãe de José Sócrates” e que este era suspeito de “meter milhões na Suíça”. Nesse mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um comunicado em que afirmava que o ex-primeiro-ministro não estava a ser investigado nem se encontrava entre os arguidos no processo Monte Branco.

José Sócrates veio, de imediato, à praça pública para afirmar: “A minha reacção é de estupefacção. O caso é suficientemente grave para que os portugueses percebam como se montam as campanhas de difamação. É uma verdadeira canalhice, porque se trata de inventar uma notícia para colocar nos jornais, para logo depois ser desmentida pelo Ministério Público.” E acrescentou: “Esta ideia de que posso ser suspeito no caso Monte Branco é absolutamente absurda. Eu não tenho conta no estrangeiro, não tenho capitais para movimentar. Eu tenho a mesma conta bancária há mais de 25 anos. Não tenho poupanças.” Anunciou, então, que iria processar os órgãos de comunicação social em causa e é esse o processo que agora chegou ao seu fim com a absolvição das empresas e dos jornalistas.

O processo é particularmente interessante porque entre a sua apresentação em tribunal e o julgamento do mesmo na 1.ª instância, José Sócrates foi detido e a PGR emitiu um comunicado confirmando a detenção e informando que o processo respeitava a suspeitas do crime de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.

Para José Sócrates, a posterior confirmação da notícia “por meros e declarados indícios, nunca confirmados”, não era relevante, não afastando o facto de ser falsa ao tempo da sua publicação, de ser gravemente ofensiva da sua honra e consideração e, por isso mesmo, ilícita, tendo-lhe provocado graves danos, sendo certo que a sua posterior detenção não tinha sido no processo Monte Branco, contrariamente ao que diziam as publicações que o implicavam em tal processo. Deviam, pois, jornais e jornalistas serem condenados a indemnizá-lo.

Mas, felizmente para todos nós cidadãos que temos o direito constitucional de nos informarmos e de sermos informados, o TRL não adoptou o entendimento do ex-primeiro-ministro quanto à enorme importância da sua honra e à pouca relevância do direito à informação e da liberdade de expressão de todos nós.

Para os juízes desembargadores Pedro Martins, Lúcia Sousa e Magda Geraldes, as notícias eram, no essencial, verdadeiras e mesmo uma notícia com erros pode ser lícita, desde que os erros não sejam substancialmente relevantes, desde que se esteja no âmbito do direito à liberdade de informação e a sua divulgação seja do interesse público. Este direito ao erro (cometido de boa-fé, como é evidente) dos jornalistas é uma garantia essencial da liberdade de expressão e de informação numa sociedade democrática porque afasta o receio de sanções injustificadas a quem está no exercício do seu direito/dever de informar.

Por outro lado, o TRL veio esclarecer que, mesmo que as notícias não fossem lícitas como o eram, também não bastaria o facto de os factos relatados serem desonrosos para José Sócrates para os tribunais atribuírem uma indemnização: seria necessário provar em concreto a existência de danos e que entre as notícias em si e os danos houvesse, para além de qualquer dúvida razoável, uma relação de causa-efeito. Por último, lembrou o TRL, contrariamente ao defendido pelo queixoso, o comunicado da PGR de Novembro, embora posterior à publicação das notícias, era relevante porque as suspeitas que revelava respeitavam às alegadas actividades de José Sócrates antes da notícia, pelo que os jornalistas tinham exercido correctamente o seu direito/dever de informar.

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