O caça mais caro do mundo é o TPC de Trump

Cada avião custa 100 milhões e o programa é o mais caro da história militar. Trump diz que vai fazer tudo de um modo diferente. Será?

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Há uma semana que se fala da “maior bomba não-nuclear dos EUA” e eu lembrei-me da bizarra cerimónia de apresentação do caça mais caro da história.

Foi em Dezembro, no deserto do Negueve, em Israel. Foi especial por causa da campanha de relações públicas que a antecedeu e pelo modo como o nevoeiro a estragou. Mas, sobretudo, foi impressionante como exercício de demonstração de poder. Não conheço ritual semelhante em nenhum outro país do mundo.

Em Israel, não é novidade. Em 1976, quando se preparava para receber uns F-15 novos, a maravilha tecnológica de então, o governo convidou três mil pessoas para assistir à sua chegada ao deserto. Previstos para uma sexta-feira à tarde, os aviões chegaram já depois do início do sabat. O incómodo foi pretexto para um conselho de ministros de urgência e uma moção de censura parlamentar acusando o governo de desrespeitar o dia de descanso. Foi a primeira demissão de Yitzhak Rabin.

Agora, 41 anos depois, o espectáculo também não foi bonito. No fim do mandato de Barack Obama, Benjamin Netanyahu comprou aos EUA dois descendentes dos F-15 — os caças invisíveis F-35. Durante semanas, enviou comunicados, fez conferências e espalhou a boa nova nas redes sociais. Quando estava tudo pronto, escolheu 12 de Dezembro, uma segunda-feira. Não ia arriscar outro sabat. À chegada, todos receberam um boné com as bandeiras dos EUA e de Israel entrelaçadas (sublinhar essa aliança aos vizinhos é um dos objectivos políticos do ritual) e à hora prevista, 14h04, os quatro mil convidados estavam a postos. Mas veio o primeiro aviso (os F-35 chegariam com um atraso de “menos de uma hora”), depois o segundo (90 minutos), o terceiro (não chegariam antes das 16h30) e o quarto (19h30). Quando aterraram, eram 20h10 e o deserto estava às escuras. Ao terceiro anúncio, contou o Times of Israel, metade da audiência tinha ido embora. De entre os que esperaram, estava a CEO da Lockheed Martin, Marillyn Hewson, e o secretário de Defesa de Obama, Ash Carter. O que é um atraso de seis horas num negócio de milhões?

Enquanto a plateia VIP de Bibi esperava no deserto, Donald Trump entrou na festa. Pelo Twitter: “O programa e o custo dos F-35 está fora de controlo. Milhares de milhões de dólares vão ser poupados nas compras militares a partir de 20 de Janeiro.”

Não sei exactamente ao que Trump se referia. Provavelmente ao facto de ser a Lockheed a desenhar, produzir e testar os F-35, o que tem suscitado todo o tipo de dúvidas. Ou ao facto de ser o programa mais caro da história militar — no fim, espera-se um custo de 1,5 biliões para construir e manter 2500 caças. Ou ao facto de, em Setembro, Obama ter assinado com Netanyahu um acordo no qual os EUA prometem dar a Israel 38 mil milhões em ajuda militar ao longo dos próximos dez anos, 20% dos quais serão usados para comprar F-35, uma forma directa de a Casa Branca apoiar a Lockheed. Sei apenas que o tweet de Trump teve um efeito instantâneo: as acções da Lockheed caíram 4%.

O que Trump não parece saber é que o negócio foi feito de forma a ninguém no Congresso ter vontade de o pôr em causa, como Daniel Soar explicou na London Review of Books.

Construir F-35 dá trabalho a muitas pessoas (só na base texana da Lockheed são quatro mil), milhões em peças são compradas a 1200 empresas americanas distribuídas por 45 estados. É verdadeiramente um negócio que interessa a todo o país. Além disso, os oito governos que já fizeram encomendas têm a sua pegada: há painéis electrónicos turcos, as caudas são britânicas, parte das asas são italianas... Para não falar dos capacetes mágicos israelitas, desenhados à medida para cada piloto. Cada um custa 400 mil dólares. Um pormenor num orçamento comprido. Cada caça custa 100 milhões.

Trump já virou do avesso a sua posição sobre pelo menos dez temas de peso. Quando estudar o programa Joint Strike Fighter, criado por Bill Clinton, vamos assistir a mais um pino de circo.

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