Erdogan procura não desperdiçar a "oportunidade" da guerra da Síria

O líder turco começou por não se querer envolver no conflito do país vizinho, mas teve de rever a estratégia à medida que os diferentes actores internacionais entravam em cena.

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Turquia lançou a operação Escudo do Eufrates em Agosto de 2016 Reuters/UMIT BEKTAS

Do Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, diz-se que é um homem que sabe encontrar as oportunidades escondidas no meio do caos. Mas no caos que é a guerra da Síria, o líder turco tem andado perdido, ora agindo como um agente livre, ora forjando alianças circunstanciais com os grandes actores mundiais que travam uma “guerra por procuração” no terreno de Bashar al-Assad.

Como escreveu o historiador e comentador político Sami Moubayed, num artigo para o The Arab Weekly, os primeiros anos do conflito permitiram a Erdogan alimentar o seu sonho “neo-otomano”, em que a Turquia recuperava a “supremacia política, económica e cultural” do antigo império. “Para tal, precisava de derrubar o regime de Damasco, erradicar tanto os curdos como o Daesh e estabelecer uma zona segura para distribuir os milhões de refugiados que representavam uma ameaça económica e de segurança dentro da Turquia.”

Mas à medida que o conflito foi crescendo em complexidade e violência, Erdogan foi forçado a rever a sua postura de relativa neutralidade e não intervenção, e a envolver-se militarmente, primeiro apenas no papel de plataforma logística e de apoio às missões aéreas contra os grupos jihadistas (como quando cedeu o uso da sua base de Incirlik à aviação dos EUA para o combate ao Daesh), e mais tarde com missões de combate como a operação transfronteiriça Escudo do Eufrates, lançada em Agosto de 2016 e cuja primeira fase foi agora dada por concluída.

O apoio declarado de Ancara às forças de oposição complicou-se com o patrocínio dos EUA e da Rússia às chamadas Forças Democráticas da Síria, a coligação multiétnica de rebeldes que é dominada pelas milícias curdas Unidades de Protecção do Povo: na óptica de Erdogan, as brigadas do YPG são uma extensão do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), inimigo do Governo turco. Depois de andar alinhada com as duas superpotências, a Turquia, membro da NATO, demarcou-se e ficou isolada.

O apoio determinado de Vladimir Putin a Assad representou mais um desafio aos interesses da Turquia. A tensão entre Ancara e Moscovo escalou após o abate de um caça russo pelo Exército turco, mas o combate ao terrorismo do Daesh reaproximou os dois países, que se uniram na frente diplomática para negociar um cessar-fogo entre o regime de Damasco e uma parte da oposição síria. E depois de se ter afastado dos EUA, Erdogan está a agora a pressionar a Administração Trump, que acaba de bombardear alvos do regime sírio, pedindo “mais acção” (leia-se uma escalada militar) contra Assad.

Entretanto, em Outubro de 2015, no auge da crise de refugiados provocada pela guerra síria, quando a pressão da opinião pública nos países europeus já se tornava insuportável, a Turquia ofereceu uma solução a Bruxelas, valendo-se da sua situação geográfica de “zona de tampão”. Erdogan jogou o seu trunfo na negociação com Bruxelas, a quem arrancou como contrapartida pela contenção do fluxo nas fronteiras um pacote financeiro de seis mil milhões de euros para compensar a Turquia pelos campos de refugiados, e ainda a promessa da liberalização dos vistos dos cidadãos turcos já em 2017 e uma aceleração das conversações para a adesão ao bloco.

Um ano depois de entrar em vigor (em Março), o acordo tem sido reputado como um fracasso pelas organizações de direitos humanos e pela Turquia, que na semana passada disse estar preparada para abandonar o compromisso por alegado incumprimento da União Europeia. Incomodada com a deriva autoritária de Erdogan depois do golpe de Estado falhado de Julho, a UE não agiu em relação aos vistos, e ameaça deixar cair o processo de adesão turco. De resto, Bruxelas diz que o acordo está a funcionar: as travessias ilegais diminuíram, e quase 4000 refugiados sírios foram acolhidos por troca com imigrantes clandestinos deportados para a Turquia (um número ainda assim vem distante da estimativa de repatriamento de pelo menos 150 mil pessoas).

No entanto, o pacto migratório com a União Europeia acabou por acentuar a crise doméstica de refugiados, que se tornou um problema para o Governo de Ancara. Com quase três milhões de sírios a viver na Turquia, a boa-vontade inicial face ao drama dos irmãos muçulmanos escorraçados pela guerra perdeu-se: muitos turcos protestam da pressão sobre os serviços sociais e perguntam-se porque estão as suas tropas a combater na Síria.

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