PS prepara cartilha do autarca socialista

A pensar nas autárquicas, o PS prepara um guia de acção para os seus eleitos com os princípios que devem orientar a gestão de uma câmara.

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Ana Catarina Mendonça Mendes está a coordenar o processo autarquico no PS evr Enric Vives-Rubio

O PS vai adoptar para as próximas autárquicas uma “Carta de Princípios dos Candidatos Autárquicos Socialistas” que funcionará como uma cartilha para os futuros eleitos por este partido para as câmaras municipais.

O projecto de base deste guia foi elaborado por João Ferrão, geógrafo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território do primeiro Governo de José Sócrates. Neste momento decorre o processo de debate interno no PS sobre o documento, que terá a sua aprovação final na Convenção Autárquica marcada para 6 de Maio.

João Ferrão explicou ao PÚBLICO que a “própria metodologia” adoptada “é um exemplo do que se espera que seja o exercício democrático do poder local”. Ou seja, “foi feito um documento base de referência e aquilo que será a carta de princípios resultará de um processo participativo”, diz o autor que considera o seu texto “um estímulo para debates regionais”.

Na elaboração da “Carta de Princípios”, João Ferrão teve em conta “quatro objectivos fundamentais”. Em primeiro lugar, refere o intuito de “definir uma visão programática partilhada sobre o futuro, onde entram novas agendas e agendas permanentes”. Segue-se a intenção de “estabelecer um conjunto claro de compromissos com os eleitores” por parte dos candidatos.

Outro objectivo é a definição de “patamares de exigência para os candidatos”. E, por fim, João Ferrão aponta a necessidade de “combater, através destes princípios, estereótipos injustamente ligados aos autarcas”, dando como exemplos “o amiguismo, a corrupção, a burocracia, a prevalência da lógica da obra e a miopia localista”.

O texto da “Carta de Princípios”, a que o PÚBLICO teve acesso, começa por estabelecer que estamos perante “um contrato social entre autarcas e eleitores, baseado em quatro desígnios e 20 compromissos”. Como primeiro desígnio, é apontado o “afirmar a autarquia local como agente de democracia” e, para isso, “aprofundar e rejuvenescer a democracia ao nível local, transformando as autarquias em agentes activos de democratização da sociedade e da economia”.

O segundo desígnio dos autarcas é o de “afirmar a autarquia local como entidade responsável” e “o poder local como instância aberta e confiável, pautando o seu funcionamento por critérios éticos de transparência, equidade e sustentabilidade”. Em terceiro lugar, surge o “afirmar a autarquia local como agente de coesão e desenvolvimento local”, que deve “reforçar a eficiência das respostas de proximidade num mundo crescentemente interactivo e complexo”.

O último é o de “afirmar a autarquia local como parceiro de mudança e voz do município”, o que é obtido através da afirmação “do poder como parceiro da inovação social, cultural e económica e defensor da consideração da diversidade territorial nas agendas políticas e na formulação de políticas e programas”.

Agenda de direitos

Quanto aos princípios, estes são sistematizados de acordo com os desígnios e sempre explicados com um exemplo. Entre os princípios orientadores surge o de “assegurar a aplicação, ao nível local, da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no que se refere às tarefas fundamentais do Estado e aos direitos e deveres dos cidadãos”.

Como exemplo, neste caso, o documento aponta a necessidade de “assumir uma agenda dos direitos sociais – nomeadamente nos domínios da educação, saúde, habitação e segurança – na definição das prioridades da autarquia”.

Outro princípio é o de “fortalecer a democracia local através do estímulo à participação dos cidadãos na vida local, nas decisões da autarquia e nos processos de monitorização e avaliação das iniciativas, planos e programas do município”. Aqui o exemplo é a generalização de orçamentos participativos.

Também a necessidade de “desenvolver e apoiar mecanismos de inclusão activa dos grupos socialmente mais vulneráveis e geograficamente mais isolados” é apontada. E ainda das “micro e pequenas empresas, de forma a garantir o acesso generalizado a bens e serviços básicos”. Como exemplo é referida a aplicação de “programas de erradicação da pobreza, designadamente pobreza infantil e entre a população sénior”.

Em nome da transparência

A transparência e a ética são também apontadas como referências de gestão autárquicas. Nesto domínio, surge o princípio de “garantir um funcionamento transparente, competente, responsável e publicamente escrutinável dos serviços autárquicos, respeitando a igualdade de todos os cidadãos e entidades perante a lei e a administração pública, evitando qualquer tipo de discriminação”.

Assim como a necessidade de “prestar contas aos cidadãos e à administração central, através da disponibilização pública regular de informação relevante”. Neste caso. é dado como exemplo a disponibilização “no website da autarquia” de “informação relevante sobre licenciamento e urbanismo”.

É também salientado o princípio de “gerir de forma sustentável e eficiente os recursos financeiros do município e assegurar o uso transparente e equitativo dos instrumentos financeiros ao seu dispor”. Mais uma vez o recurso ao “website da autarquia” é aconselhado para dar “informação relevante sobre decisões de natureza económico-financeira”.

Refira-se ainda o princípio de “afirmar o município como uma entidade empregadora de referência ao nível das condições de trabalho, das relações laborais e das práticas de igualdade de género e de inclusão de pessoas com necessidades especiais”.

Do ponto de vista da administração enquanto relação de proximidade com os munícipes, a “Carta de Princípios” aponta a valorização do “papel das freguesias enquanto componente do poder local mais próxima dos cidadãos e das comunidades”. Como concretização deste princípio é indicada a “descentralizar competências e meios das câmaras municipais para as juntas de freguesia, sempre que estas possam desempenhar mais eficazmente as tarefas que competem aos órgãos locais”.

Também a necessidade de “salvaguardar e valorizar o património material e imaterial e a criação e fruição cultural como fontes de identidade local, progresso social, projecção externa e inovação económica” é apontada como regra de gestão autárquica, sendo mesmo aconselhado o “assumir a Cultura como uma prioridade dos executivos autárquicos socialistas”.

Directamente relacionado com a gestão do território é sublinhada a salvaguarda do “bom uso e ocupação do território e a preservação dos ecossistemas, evitando o esgotamento de recursos naturais finitos e a degradação ambiental”. Neste caso, o exemplo surge através do desenvolvimento de “ formas participadas de planeamento do território, de modo a aumentar a aceitação social das restrições ao uso e ocupação do solo definidas em nome do interesse público numa perspectiva intergeracional”.

Destaque-se ainda o princípio que aconselha os autarcas socialistas a “contribuir para a implementação das dimensões locais de agendas globais, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU), a Nova Agenda Urbana (ONU), o Protocolo de Quioto e posteriores acordos sobre alterações climáticas, e outros documentos relevantes para uma vida melhor no nosso planeta”. Para o que é aconselhada a adopção de “uma política de acolhimento de refugiados e imigrantes” e o “estimular a sua integração nas comunidades locais”.

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