O treinador no papel de psicólogo de crises

A melhor estratégia é o discurso para focar os jogadores e converter o drama em momento de superação e união.

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Friedemann Vogel/EPA

Borussia e Mónaco entraram, menos de 24 horas decorridas sobre a explosão que atingiu o autocarro da equipa alemã, num estádio passado a pente fino pelas forças de segurança, mas ameaçado pela sensação de impotência perante a missão de desminar um campo demasiado complexo do ponto de vista psicológico.

Competir num patamar de altíssima exigência como a Champions antes sequer de ser humanamente possível processar todas as emoções vividas em contexto de terrorismo justifica, inequivocamente, o reforço das estratégias cognitivas.

Não sendo este um problema exclusivo da equipa germânica, já que o Mónaco foi também atingido pelos estilhaços arrastados pela onda de terror, para o Dortmund, porém, o desafio afigurava-se bem maior.

Os relatos em torno da situação concreta do defesa-central espanhol Marc Bartra não permitem estabelecer, por enquanto, até que ponto o trauma vivido no autocarro do Borussia poderia interferir na capacidade de resposta da equipa de Thomas Tuchel. Com os dados disponíveis é, contudo, possível estabelecer uma linha de acção e usar todos os recursos à disposição do clube para reduzir os efeitos nefastos de tão violento impacto emocional, gerindo sentimentos de forma a guiar os jogadores a um palco de vibrações positivas.

Essa é a perspectiva de Pedro Almeida, investigador na área da Psicologia do Desporto e Dinâmica de equipas, doutorado pela Universidad Nacional de Educación a Distancia (Espanha) e responsável pelo departamento científico-pedagógico do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA). Liderar uma equipa em momentos dramáticos como o vivido pelo Borussia exige intervenção assertiva.

“O treinador terá que assumir, nestas circunstâncias, o papel mais decisivo. A resposta da equipa depende do discurso e da capacidade de focar os atletas no essencial e no que é verdadeiramente relevante para a equipa”, explica Pedro Almeida, que recupera o desaparecimento de Miklós Fehér para ilustrar como é possível transformar algo trágico num momento de união e superação.

“Perante este tipo de episódios marcantes, há um espaço emocional e uma perturbação que podem jogar a favor do objectivo da equipa. Os treinadores possuem ferramentas que lhes permitem converter em energia e união uma experiência traumática, levando os jogadores a focarem-se nas tarefas”, lembra, sem esquecer que a partir de determinado nível também o treinador precisa de orientação.

Apesar de se encontrar a uma distância mais segura, o Mónaco foi igualmente obrigado a racionalizar e repensar estratégias. O discurso de Leonardo Jardim teve que levar em linha de conta a reacção do Borussia e a vontade colectiva de reagir ao choque e responder à agressão. Um quadro delicado face à onda de solidariedade que poderia afectar a réplica dos jogadores num campo demasiado instável, sob a permanente ameaça do rebentamento de um simples petardo.

“Isso seria um gatilho emocional imprevisível, mas suficiente para desligar os jogadores da missão. Daí a importância do papel do psicólogo, tanto no apoio quanto na potenciação de respostas aos momentos críticos”, enfatiza Pedro Almeida, indicando um caminho que em circunstâncias semelhantes não foi reconhecido pelos turcos do Fenerbahçe, que há dois anos viveram situação semelhante.

Bruno Alves e Raul Meireles faziam parte da equipa de Istambul, cujo autocarro foi atingido a tiro no final de um jogo em Trebizonda. Em declarações ao PÚBLICO, Raul Meireles recupera o episódio e, apesar do mediatismo, lembra que “apenas a segurança da equipa foi reforçada”. As feridas psicológicas foram curadas pelo tempo, algo que mesmo para quem - como o médio português - nem sequer estava no autocarro deixa sempre marcas.     

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