Uma canção que se perpetua

Saiu um fundador, entrou um teclista, mas a música não mudou a sua natureza, a sua melancolia solar. Ainda bem.

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Os Real Estate são um bálsamo para tempos demasiado agitados

Oito anos passaram desde aquela imaculada Beach comber que se anunciava de mansinho em lento fade in. Oito anos passaram desde que os Real Estate de Martin Courtney e Matt Mondanile se estrearam com um álbum homónimo feito de melancolia solar e guitarras dedilhadas com a mesma deliciosa languidez com que, noutro tempo, noutro lugar, o faziam os Byrds. Daí para cá, houve mais álbuns (Days, em 2011, Atlas,em 2014) e houve coisas a acontecer na vida dos Real Estate, banda indie com som indie, no sentido original do termo — projectos paralelos, filhos a nascer, esse tipo de coisas.

Chegamos a In Mind e registamos mais acontecimentos, verdadeiras mudanças drásticas na escala serena dos Real Estate. Matt Mondanile, o co-fundador, disse adeus de vez para se dedicar aos Ducktails, chegando para o seu lugar o cantautor Julian Lynch, e a formação passou de quarteto e quinteto com a entrada do teclista Matt Kallman. Que quer isso dizer? Nada, na verdade. O mundo não mudou, os Real Estate continuam a ser os Real Estate, continuam a olhar o sol que brilha com um sorriso beatífico no rosto e a desejar que os dias corram como têm que correr, porque já sabemos o que o futuro nos reserva, e não vai ser bonito, e viver sob o sol que brilha é o melhor e a única coisa que nos resta — a melancolia sabe bem, a amargura não é hipótese a considerar: “daydream the whole night through”, recomendam, certeiros, em After the moon.

After the Moon

Claro que há alterações a registar: o harpsichord que dobra a guitarra de doze cordas em Stained glass e que recorda os Love luminosos de Da Capo, o final de After the moon com a bateria em turbilhão controlado e a guitarra a perseguir memórias dos Beatles de Abbey Road, a caixa de ritmos que balança, discreta, nessa maravilha estival que é Time, uma bossa nova imaginada por gente de New Jersey a sonhar com sol tropical — ou seja, há guitarra slide havaiana a compor o cenário. Tudo isto são, porém, pequenos apontamentos. Impedem a sensação de repetição em relação ao que lhes conhecíamos, enquanto nos asseguram que a natureza da música dos Real Estate não mudou um gene que seja. Preferimos assim.

Os Real Estate são um som e uma voz que se perpetua, um bálsamo para tempos demasiado agitados, demasiado frenéticos. Enquanto as guitarras são dedilhadas e a voz doce de Martin Courtney plana sobre as melodias como se contivesse em si milhares de harmonias (as das vozes que se lhes juntam, uma a uma por cada um dos que os ouvem enquanto o sol brilha lá fora), ecoa em nós o verso feliz de Serve the song: “Why do you go all the trouble/when you know what comes next?”. Os Real Estate são uma canção que se perpetua. A melhor canção.

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