Pedido de classificação não impediu demolição parcial de edifício de Nadir Afonso

Na madrugada de sábado foram demolidas, sem autorização da câmara, partes centrais da antiga panificadora de Vila Real. O Ministério da Cultura abriu, esta terça-feira, um procedimento de classificação por recear mais danos à obra.

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Construída em 1965, esta é a única obra de Nadir Afonso no distrito de Vila Real Hugo Santos
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Construída em 1965, esta é a única obra de Nadir Afonso no distrito de Vila Real Hugo Santos

O Ministério da Cultura decidiu acelerar, esta terça-feira, um procedimento para classificar a antiga panificadora de Vila Real como Imóvel de Interesse Público. A Direcção-Geral de Cultura tinha recebido, em Maio do ano passado, um pedido de classificação desta obra desenhada por Nadir Afonso mas isso não impediu que, este sábado, parte do imóvel acabasse por ser demolido.

O pedido de classificação, apresentado pela arquitecta Ana Morgado, que escreveu uma tese de mestrado sobre o edifício,  já se encontrava em análise no Conselho Nacional de Cultura, mas a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) abriu agora o processo de forma “a impedir danos continuados no imóvel em vias de classificação”, informou este organismo, que considerou que o edifício está em risco.

A decisão surgiu depois de alguns moradores terem denunciado alegadas demolições que terão ocorrido por volta das seis da madrugada de sábado, com recurso a uma retroescavadora. A Câmara Municipal de Vila Real garante não ter recebido nenhum pedido de autorização para a intervenção, e explica que só tomou conhecimento da destruição parcial da fachada na segunda-feira, ao final da tarde, através das redes sociais, assegura o vereador Adriano Sousa.

No dia seguinte, tanto a autarquia como a Direcção Regional de Cultura do Norte enviaram ao local uma equipa técnica para avaliar os estragos e averiguar a situação do edifício que está “abandonado há mais de 20 anos”. Se se comprovar que ocorreram demolições, o município avançará com uma contra-ordenação, assevera o autarca. Adriano Sousa disse também ao PÚBLICO que a câmara ainda não foi notificada da resolução do Ministério da Cultura, mas garantiu que cumprirá com a obrigação de “impedir quaisquer intervenções no edifício sem o parecer prévio e vinculativo” da DGPC.

Caso A Panificadora seja classificada Imóvel de Interesse Público, Adriano Sousa diz que a autarquia “envidará todos os esforços para procurar outros investimentos que promovam a sua reabilitação”. No entanto, avisa, caso o edifício não seja classificado, não impedirão a sua demolição. “O que a câmara pretende é a dinamização económica do concelho”, continua o vereador, que salienta o elevado grau de degradação do prédio.

Esta não será a primeira vez que partes do edifício são demolidas. Já em Novembro passado, a arquitecta Ana Morgado, que escreveu a tese de mestrado sobre o edifício, reparou que parte da fachada lateral tinha “um grande buraco” e que outros elementos “característicos e altamente resistentes” teriam sido destruídos, aparentemente por uma retroescavadora. Quando entrou viu que todas as paredes interiores tinham sido demolidas, a cobertura em ferro destruída e o forno, feito de tijolo burro, “a imagem de marca e o elemento mais importante” da antiga panificadora, tinha sido totalmente destruído, relata a estudante da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa.

Há intenção de demolir, denunciam arquitectos

Em Maio de 2016, no seguimento da sua tese, Ana Morgado elaborou a candidatura para a classificação do edifício como Imóvel de Interesse Público, que foi apoiada, entre outros, pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira. Da DGPC responderam-lhe no final da semana passada a dizer que até ao fim deste mês tomariam uma decisão. A arquitecta considera que as demolições, que ocorreram alguns dias depois, “não foram por acaso” e afirma que “alguém não está interessado na classificação do edifício”. 

Por volta de 2006, o proprietário do edifício terá apresentado à camara uma proposta para construir um prédio para habitação com rés-do chão e quatro andares. O projecto, que obrigava à demolição da obra de Nadir Afonso, foi aprovado pela autarquia mas não avançou por falta de interesse do dono. O edifício está localizado numa zona habitacional na periferia do centro histórico mas que tem muita actividade, já que está próximo da universidade, da entrada da cidade pela auto-estrada e de um shopping.

Quase uma década depois, o município promoveu um concurso de ideias para a regeneração urbana que pretendia atrair eventuais investidores, tanto para o centro histórico, como para a antiga fábrica. Surgiram várias ideias a partir de uma auscultação à população, mas por falta de financiamento, não chegaram a avançar. Os vencedores contactaram a câmara que respondeu que o edifício não era uma prioridade no orçamento municipal .

O vencedor do projecto para a requalificação da panificadora, o arquitecto Vitório Leite, diz que o edifício construído em 1965 é “um importante ponto de memória colectiva da cidade”, além de ser um “exemplar de Arquitectura Moderna” com um “valor patrimonial incalculável”. Para Vitório Leite, os estragos feitos “gradualmente e em horários com pouca visibilidade “, não se tratam de vandalismo, “mas sim de uma demolição pensada e interessada”.

A antiga panificadora rompe com os traços instaurados durante o Estado Novo, um gesto de rebeldia do arquitecto Nadir Afonso, nascido em Chaves, que foi influenciado por mestres internacionais como Le Corbusier e Oscar Niemeyer, com os quais chegou a trabalhar. Este é o único edifício que Nadir, bem mais conhecido pela sua enorme obra pictórica, assinou na capital do distrito onde nasceu.

O PÚBLICO tentou contactar o proprietário do edifício, mas não obteve resposta. À agência LUSA, José Meireles disse ser alheio a qualquer demolição no espaço. "O meu conhecimento é que já não é a primeira vez que entram lá máquinas e que destruíram já tudo, também por dentro, e que roubaram tudo o que havia lá de valor", referiu. O responsável, que adquiriu o edifício há 17 anos, disse estar a aguarda pela decisão final da tutela da Cultura sobre a classificação do imóvel. "Eu já há três anos que não entro lá e não faço a mínima ideia de como aquilo está", frisou. 

Texto editado por Abel Coentrão

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