Sistema português absorve os populismos à custa da abstenção

Portugueses optam mais pela alienação política do que pelo voto de protesto, considera António Costa Pinto, que nesta terça-feira vai explicar o país da "geringonça" numa conferência em Harvard.

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Portugal é um país com pouca expressão de descontentamento na rua LUSA/ESTELA SILVA

O PS participa na crise dos socialistas europeus, mas, mesmo assim, conseguiu formar Governo com o apoio de dois partidos mais à esquerda e inverter o eurocepticismo e o descontentamento com a democracia. Uma situação excepcional na Europa que só é explicável, segundo António Costa Pinto, com as características específicas do sistema e da sociedade portuguesa.

“A resiliência do sistema partidário português em relação aos desvios populistas, à direita e à esquerda, contrasta com os impactos da globalização e crise nos sistemas europeus”, analisa ao PÚBLICO o coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, antecipando aquilo que vai dizer nesta terça-feira na Universidade de Harvard. Costa Pinto é um dos oradores – o único português - do simpósio que a reputada universidade norte-americana promove sobre o futuro da esquerda na Europa, em que também participa o antigo líder do PSOE Joaquín Almunia, professor da London School of Economics, da Sciences Po e chairman do Centro de Estudos Europeus.

“O sistema partidário português não só resistiu à crise como os partidos de centro-esquerda e centro-direita recuperaram durante a crise, conseguindo juntos mais de 70% dos votos - e as sondagens actuais apontam para uma tendência de subida”, diz o professor convidado da Universidade de Nova Iorque para demonstrar a resiliência do sistema português.

Mas há um lado sombrio nesta realidade que, aliás, a ajuda a explicar. É que, mesmo perante a crise económico-financeira, “a sociedade portuguesa opta por uma alienação da vida política – de que a abstenção é o principal sinal – e por uma fraquíssima resposta alternativa de movimentos sociais”, acrescenta.

Enquanto noutros países surgem, em momentos de crise, movimentos e partidos de protesto, muitos deles populistas, que acabam por capitalizar o descontentamento social, em Portugal a resposta mais consistente é dada pela rejeição dos políticos e dos partidos que se manifesta sobretudo pela abstenção. E assim, “a estabilidade e a resiliência do sistema partidário é feita em parte à custa dessa alienação”, analisa o politólogo.

Uma realidade muito diferente das outras democracias do Sul e da maioria das europeias. Na Grécia, o PS quase desapareceu face aos novos partidos populistas, de esquerda e de direita; em Espanha, o Podemos e o Ciudadanos retirou ao PSOE a capacidade de formar Governo; em França os socialistas estão fraquíssimos e divididos, ilustra.

Estas características da resposta política dos portugueses ajuda a explicar porque é que “o modelo da 'geringonça' não é exportável”, dirá também o analista. O caso português tornou-se um case study, porque, pela primeira vez na democracia portuguesa, existe uma aliança à esquerda sem que o programa do Governo expresse o cepticismo em relação à Europa.

Costa Pinto considera que, depois da aliança PSD/CDS que governou durante o pico da crise ter conduzido uma política mais liberal, a vitória da "geringonça" provocou uma “ligeira polarização” do sistema partidário, mas que não é provocada pelo surgimento de populismos. Antes, é “controlada pelos partidos do sistema”, o que contribuiu para alguma diminuição do cepticismo dos portugueses, não só em relação aos políticos, como às instituições.

Isso mesmo mostram os dados do Eurobarómetro de 2016: a satisfação com a democracia duplicou entre 2014 e 2016 e o eurocepticismo diminuiu, o que é explicado em boa parte pela situação económica. Mas toda esta análise, previne, é uma “radiografia actual” de uma realidade “frágil”. “À mínima crise, estes dados podem alterar-se”, alerta.

Mas neste momento, “Portugal é uma excepção na Europa, porque o PS tem dois partidos associados à extrema-esquerda, mas a política é dominada por um partido social-democrata”. E isso não é pouco, conclui.

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