Mil jovens em Espanha: nós e eles

Quem é que no seu são juízo pensaria que estes jovens iam para a praia ler o seu Saramago?

A cadência da nossa vida quotidiana aumentou de tal maneira que encontramos pessoas de 20 anos a abrir os seus comentários sobre factos atuais com a emblemática frase “No meu tempo…”. E é parcialmente verdade. Lembro-me de estudantes universitários falarem dos alunos do ensino secundário com “eles”: “eles agora têm todos telemóveis de última geração”, “eles agora saem muito mais do que nós saíamos”, “eles são muito diferentes de nós”. Em parte, é verdade que a velocidade das inovações tecnológicas e as mudanças nos estilos de vida faz com que pareçam “paleolíticos” hábitos que ainda há poucos anos eram considerados inovadores.

Mas estas diferenças que parecem tão radicais são em grande parte ilusórias. Talvez por duas razões. Em primeiro lugar, porque “o que os jovens de agora são” não é tão diferente do que “foram os jovens de antigamente”. Criam-se frequentemente ideias erradas sobre estas diferenças que não levam em conta a realidade, mas sim as representações da realidade. É como se pensássemos que se os telemóveis mudaram, as pessoas têm também que ser radicalmente diferentes. E não são. Dou um exemplo: quando era adolescente ouvia frequentemente os mais velhos manifestarem inveja com a “liberdade sexual” dos jovens da minha geração. Pensavam eles que nós éramos uns libertinos e que tínhamos uma vida sexual intensa e diversificada. Um dia tive que perguntar a um insistente invejoso que, se a moral era tão estrita “no tempo dele”, porque é que havia tantos filhos ilegítimos na sua geração? Há mudanças que são muito mais de superfície do que de essência e os jovens de hoje são pessoas que têm muitíssimo a ver com as emoções, sentimentos, alegrias e tristezas que eram próprias dos jovens de há muitos anos atrás. Por outro lado, as diferenças parecem maiores porque foram criadas: os mais velhos empreendem uma campanha de beatificação da sua própria vida. Quando os atuais adultos eram jovens faziam sim as suas “malandrices” mas… sempre dentro de um respeito e de uma moralidade blindada e impoluta. Grande conversa… o processo da construção moral dos nossos adultos de hoje passou certamente por situações de infração, de complexidade e de perigo que foram recobertas com uma capa de seriedade e até de esquecimento.

Vem tudo isto a propósito dos alunos portugueses expulsos de uma estância balnear em Espanha. Não faltaram imediatas e radicais críticas a deplorar o que se tinha passado. A magnitude destas críticas faz-nos pensar de que forma tratamos e consideramos os nossos jovens. Vejamos: antes de mais, não se dispõe ainda de um quadro de evidência claro sobre o que se passou. Falar de “anjinhos acossados pelo hotel” ou de “vândalos à solta” não são senão reações emocionais face a factos que até agora não emergiram de forma comprovada. Fala-se mais com base no que se pensa do que no que se sabe.

Este episódio, quaisquer que sejam os contornos que venha a assumir, tem que nos ensinar alguma coisa. É para isso que serve viver: para, refletindo sobre a experiência, fazermos menos erros do que antes. Penso que os pais, os gestores das escolas e mesmo os alunos deveriam aprender algumas coisas: a) O que se pensa que os jovens vão fazer quando se juntam 1000 deles em ambiente de lazer, num país estrangeiro com reduzido controlo? Quem é que no seu são juízo pensaria que estes jovens iam para a praia ler o seu Saramago e vestir-se a rigor para, ao jantar, dançar a valsa vienense? Juntar tantos jovens com um programa livre e com reduzido enquadramento é um convite para que o comportamento deles transborde mesmo as mais liberais regras de convivência num hotel; b) Outra coisa a aprender é qual é o objetivo destas viagens? É conhecer a cultura de outros países? É aprender algo que não se pode aprender no seu próprio país? É simplesmente curtir até não poder mais? Ao fim e ao cabo, o que é que se espera de uma estadia deste tipo?

A ideia não é desresponsabilizar os jovens mesmo sabendo que o nosso sistema educativo não é muito eficaz nas estratégias que usa para os responsabilizar. O certo é que muitos destes jovens vivem em ambientes muito protegidos, frequentam uma escola que devia certamente encorajar e apoiar muito mais o desenvolvimento da sua responsabilidade. Apesar de tudo isto, acreditou-se que jovens de 16 ou 17 anos soubessem dizer não a fenómenos de grupo que os encorajam a ir demasiado longe. Se a ideia não é desresponsabilizar os jovens também não é desresponsabilizar os adultos que contemporizaram com situações manifestamente propiciadoras dos comportamentos relatados.

“Nós” e “eles”. Nós todos. Eles todos. Vamos pensar um pouco no que é que os inflamados críticos destes jovens teriam feito com 17 anos e com mais 1000 jovens numa praia de Espanha.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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