PR visita ilha onde João Paulo II e Lula pediram perdão pela escravatura

A primeira visita de Estado de um chefe de Estado português ao Senegal pode ser mais do que um agradecimento pelo apoio à candidatura de António Guterres à liderança da ONU.

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Marcelo vai a Cabo Verde e ao Senegal LUSA/NUNO ANDRÉ FERREIRA

O Presidente da República vai visitar na próxima semana a ilha de Gorée, no Senegal, lugar simbólico onde o papa João Paulo II pediu perdão pela escravatura, em 1992, num gesto repetido por Lula da Silva em 2005. É a primeira visita de Estado de um Presidente português àquele país da África Ocidental, antiga colónia francesa, que faz fronteira com a Guiné-Bissau. 

Situada a menos de três quilómetros da capital do Senegal, Dacar, a ilha de Gorée (ou Goreia), foi um importante entreposto do tráfico de escravos de África para as Américas até ao século XIX, e mantém como memória e símbolo desse passado uma "Casa dos Escravos", do tempo dos holandeses, ligada ao mar por uma "Porta do Não Retorno".

Na quinta-feira, dia 13, Marcelo Rebelo de Sousa vai a esta ilha, onde os portugueses chegaram em 1444 (depois tomada pelos holandeses, franceses e ingleses) e que foi um entreposto do tráfico de escravos até ao século XIX. Ali visitará a "Casa dos Escravos", um memorial da escravatura.

Foi neste lugar que o papa João Paulo II, em Fevereiro 1992, num discurso perante a comunidade católica da ilha, referiu que o comércio de escravos teve a participação de "pessoas baptizadas, mas que não viveram a sua fé", e declarou: "A partir deste santuário africano do sofrimento negro, imploramos o perdão do céu".

Dias depois da morte de João Paulo II, em Abril de 2005, o então Presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, visitou Gorée e repetiu esse gesto, invocando o seu exemplo: "Quando se comete um grave erro histórico, como no caso dos negros e dos judeus, o papa nos ensinou que é fácil pedir perdão".

"Não tenho nenhuma responsabilidade com o que aconteceu no século XVIII, nos séculos XVI e XVII, mas penso que é uma boa política dizer ao povo do Senegal e ao povo da África: perdão pelo que fizemos aos negros", afirmou.

Lula da Silva esteve na ilha acompanhado pelo músico brasileiro Gilberto Gil, na altura ministro da Cultura, que ali cantou "La Lune de Gorée", uma canção com música sua e letra do poeta Capinan, que termina com estes versos: "Mas a lua de Gorée / Tem uma cor profunda / Que não existe / Em nenhuma outra parte do mundo / É a lua dos escravos / A lua da dor".

A ilha de Gorée, classificada como património da humanidade pela UNESCO em 1978, foi visitada Nelson Mandela em 1991, um ano após ter sido libertado pelo regime do 'apartheid', e três anos antes de se tornar o primeiro presidente negro da África do Sul.

Conta-se que Mandela se sentou sozinho numa das pequenas celas da "Casa dos Escravos" e considerou que o sofrimento dos seus 27 anos de prisão não se podia comparar ao dos escravos que por ali passaram.

Muitos negros norte-americanos deslocam-se a Gorée em busca de uma imagem do sofrimento dos seus antepassados africanos, e os três últimos presidentes dos Estados Unidos visitaram a ilha: Bill Clinton, em 1998, George W. Bush, em 2003, e Barack Obama, em 2013.

Durante a sua visita, Bush disse que a escravatura foi "um dos maiores crimes da História".

Obama, por sua vez, declarou: "Obviamente, para um afro-americano, um presidente afro-americano, poder visitar este lugar dá-me uma motivação ainda maior no que respeita à defesa dos direitos humanos em todo o mundo".

A visita do chefe de Estado português ao Senegal decorre nos dias 12 e 14. O primeiro ponto do programa de Marcelo Rebelo de Sousa é a deslocação à principal universidade de Dacar - Universidade Cheikh Anta Diop (UCAD) -, onde recebe um doutoramento honoris causa e faz uma intervenção sobre "Portugal e África".

As relações históricas bilaterais, que datam do século XV, serão o fio condutor desta visita de Estado ao Senegal, a primeira desde o 25 de Abril de um Presidente português a este país. O Senegal, que é vizinho da lusófona Guiné-Bissau e tem o estatuto de observador na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), aproxima-se de Portugal também pela língua portuguesa, que ali é estudada por milhares de alunos.

A diplomacia portuguesa está agradecida ao Senegal pelo seu apoio à candidatura de António Guterres a secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Cabo Verde, agora como Presidente

Antes, o Presidente da República realiza, entre domingo e terça-feira, uma visita de Estado a Cabo Verde, que começará pela ilha do Fogo, com uma subida à encosta do vulcão, onde provará o vinho local.

Marcelo Rebelo de Sousa vai visitar um país que conhece bem, onde esteve várias vezes como professor de direito, agora como chefe de Estado, a convite de um amigo e antigo colega de faculdade, Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde.

Durante esta visita de Estado de três dias, o Presidente português irá também à ilha de Santiago, onde decorrerão os encontros de caráter institucional, na capital, Praia, e à ilha de São Vicente, a segunda mais populosa do país.

Marcelo Rebelo de Sousa chegará à Praia no sábado ao final da tarde, sem agenda oficial nesse dia. A visita de Estado só terá início no domingo, na ilha do Fogo, depois de uma breve passagem por uma das padarias portuguesas do grupo "Pão Quente", na capital do país.

Segundo o programa da visita, ao chegar à ilha do Fogo, a comitiva subirá até à Adega Cooperativa de Chã das Caldeiras, que fica a cerca de 2 mil metros de altitude, onde se produz o famoso vinho desta ilha. Depois, o Presidente da República dará um passeio na cidade de São Filipe, junto ao mar.

Ao anoitecer, já na cidade da Praia, haverá uma recepção à comunidade portuguesa, na fragata Álvares Cabral, com uma sessão musical da banda portuguesa Dead Combo, que vai participar num festival de música em Cabo Verde.

Na segunda-feira, na ilha de Santiago, terão lugar os encontros institucionais com o chefe de Estado de Cabo Verde, no palácio presidencial, e com o primeiro-ministro, Ulisses Correia, num hotel da capital, e uma cerimónia na Câmara Municipal da Praia, que entregará a Marcelo Rebelo de Sousa as chaves da cidade.

Neste dia, o Presidente português vai ainda depor uma coroa de flores no Memorial Amílcar Cabral, herói da luta pelas independências de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, discursar na Assembleia Nacional e visitar a Escola Portuguesa de Cabo Verde.

O último dia de terça-feira será passado na ilha de São Vicente, com uma sessão solene na Câmara Municipal do Mindelo, visitas à escola portuguesa local e a uma academia de artes e, como ponto alto, uma conversa dos presidentes português e cabo-verdiano com alunos e professores universitários.

Os últimos pontos do programa serão as visitas a empresas portuguesas do sector têxtil, no Parque Industrial do Lazareto.

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