Quem dá e torna a tirar, ao inferno vai parar? Um rendimento básico para todos

Independentemente do seu modo de financiamento, o Rendimento Básico Incondicional é como terra firme debaixo dos nossos pés, abaixo da qual não podemos cair

A 22 de fevereiro, Francisco Louçã publicou um artigo onde formula várias objeções ao Rendimento Básico Incondicional (RBI) a partir de três perguntas: é positiva ou negativa a “experiência finlandesa”? Quanto custa um RBI? É realmente universal um RBI?

Comecemos pela objeção à experiência na Finlândia. Mais uma vez, pace Louçã, não se trata de “reduzir o subsídio de desemprego”. Os desempregados na Finlândia recebem o mesmo valor que recebiam antes, a diferença é que parte desse valor é incondicional, os ditos 560 euros. Se encontrarem emprego, continuam a receber o RBI e perdem só o subsídio para lá dos 560 euros. Na nossa crítica ao projeto finlandês dizíamos que este podia ser mais abrangente, testando outros possíveis resultados de um RBI. Se o estudo tivesse incluído trabalhadores, não apenas desempregados, poder-se-iam entender outras possíveis consequências. Por exemplo, podem as pessoas preferir interromper o trabalho para estudar, ou criar novas empresas, ou escolher  trabalhos que mais as satisfaçam, ou ainda exigir melhores condições de trabalho? Num estudo mais abrangente, que poderia ser feito em Portugal, seria importante recolher dados sobre estas questões.

Passemos à questão do financiamento de um RBI, para o qual não é necessário um valor tão elevado como Louçã diz nos seus artigos. O financiamento, se for diversificado, pode estar dentro do âmbito do possível e não do utópico. A proposta referida de 450 euros mensais, implicaria, se distribuídos por todos sem reforma fiscal, 54 mil milhões de euros. Essa quantia teria de estar disponível num fundo RBI inicial, mas deveria ser acompanhada de uma reforma fiscal que implique que os rendimentos médios superiores acabam por não receber RBI. Se quiséssemos beneficiar, por exemplo, cerca de 30% da população portuguesa, que ganha menos ou até 700 euros mensais, seriam necessários 16.2 mil milhões. Se quiséssemos beneficiar 5% da população que ganha até 500 euros mensais, seriam necessários 2.7 mil milhões. Para além de uma reforma fiscal do IRS, o RBI pode ser financiado com  impostos sobre a emissão de carbono, taxas sobre o consumo, taxas sobre recursos naturais comuns, imposto sobre lucros resultantes de tecnologias que substituem postos de trabalho, impostos sobre transações financeiras, impostos sobre o património, luta à evasão fiscal, etc., até poderíamos financiá-lo com a renegociação da dívida. Estes aspetos podem ser avaliados em experiências mais abrangentes que estão a ser feitas em outros lugares do mundo.

Por fim, a objeção mais desafiante de Francisco Louçã questiona a própria coerência conceptual do RBI, objeção partilhada por Thomas Piketty, que é a seguinte: para quê afirmar que o RBI é universal e incondicional para todos e depois fazer uma reforma fiscal que retira o RBI aos rendimentos mais altos? Aprofundando a metáfora do cinto de segurança, para quê colocar cintos de segurança em todos os carros já que apenas algumas pessoas terão acidentes? Assim, para quê dar dinheiro às pessoas que não precisam, ainda para mais quando o dinheiro é depois retirado através dos impostos? A resposta é simples: assim como seria inútil gastar recursos para determinar quem precisa de cinto de segurança, também é inútil senão absurdo gastar recursos para determinar quem precisa dum RBI. Dito isto, se o financiamento do  RBI provém  de um recurso que é de todos, uma das versões que pode ser  consultada no primeiro quadro deste artigo, então nesse caso é prima facie justo que o RBI seja literalmente distribuído por todos, sem ser mais tarde retirado a alguns.

Independentemente do seu modo de financiamento, o RBI é como terra firme debaixo dos nossos pés, abaixo da qual não podemos cair. É certo que o ditado diz “Quem dá e torna a tirar, ao inferno vai parar”, mas esperemos que tenha ficado claro que não estamos a “Prometer o Céu de Graça”, seria no mínimo estranho que o preço a pagar por uma sociedade mais justa fosse um castigo infernal. 

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