Portugal, a confiança e o excesso de confiança

O Eurobarómetro dá boas notícias sobre o estado da democracia. Que tanto podem servir para decidir o futuro como para justificar o conformismo

Os portugueses andam felizes com os seus representantes. O índice de satisfação com o Governo medido pelo Eurobarómetro em Novembro de 2016 indica que 52% dos inquiridos está satisfeito com a democracia, um valor que duplica os dados do mesmo inquérito realizado um ano antes. O enlevo com os desempenhos do Governo e do Presidente da República está em alta acelerada e até os partidos, os eternos maus-da-fita da vida pública nacional, merecem mais simpatia dos portugueses – ou condescendência.

É bom que no país haja confiança no regime e nos seus actores principais – quanto mais não seja porque a confiança é a principal fonte de imunidade à demagogia ou ao populismo que cresce noutras latitudes do Ocidente. De resto, uma análise das respostas mais parcelares, ou sectoriais, ao inquérito mostra que os portugueses estão conscientes dos principais problemas do país – a economia, o desemprego e a dívida, em particular. E apesar dos danos e agruras do ajustamento, das declarações estapafúrdias de altos responsáveis europeus, ou dos avisos paternalistas e fora de tom de Bruxelas e Frankfurt, os cidadãos mantêm um elevado apego à Europa.

A confiança é fundamental para a economia e a proximidade com as instituições democráticas é indispensável para o sentido de comunidade. Portugal precisa dessas duas condições para poder enfrentar os desafios que se perfilam no horizonte próximo. Mas, olhando para a história recente, a confiança pode ser um caminho fácil para auto-satisfação e o comodismo. Foi esse estado de espírito que deixou o país a marinar em águas calmas durante a década e meia em que registou uma das três piores taxas de crescimento do mundo.

A confiança e o reconhecimento do mérito dos líderes cria um clima propenso a decisões para o futuro. Por duras que sejam. A fragilidade da maioria, bem se sabe, não ajuda. Mas, ainda assim, com o capital político medido pelo Eurobarómetro, é mais fácil propor mudanças na organização do estado, na saúde, no sistema de pensões, na Justiça, na economia produtiva ou na gestão da dívida. Associar a satisfação e a confiança ao conformismo é voltar ao passado que, sabemo-lo de ciência certa, não funcionou. Nem vai funcionar. 

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