Seria uma bela notícia, mas ainda não é desta que pode ir ao espaço

Era uma brincadeira de 1 de Abril, Dia das Mentiras, da agência Ciência Viva, que desafiou o PÚBLICO para ela.

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Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa Rui Gaudêncio

Chegou a candidatar-se no site da Agência Ciência Viva para ir ao espaço? É que, na verdade, a abertura das inscrições não existe e o texto que publicámos neste sábado era uma brincadeira de 1 de Abril, Dia das Mentiras. Não há nenhum consórcio chamado Orbit Earth, nem haverá provas de selecção no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, nem será com esta iniciativa que o primeiro português irá ao espaço em 2022. Esta brincadeira partiu da Ciência Viva, que desafiou assim o PÚBLICO para o Dia das Mentiras.

“Era a nossa brincadeira de 1 de Abril”, diz Ana Noronha, directora-executiva da Ciência Viva. Foi uma forma de convidar os “supostos” candidatos à viagem espacial neste último sábado para o 18.º aniversário do Pavilhão do Conhecimento em que o tema vai ser o espaço. A 25 de Julho, o dia que tinha sido anunciado como o do começo das provas de selecção da viagem espacial, o que vai de facto fazer-se é uma série de actividades no Pavilhão do Conhecimento. Serão também convidados investigadores para a festa do aniversário. E quem se candidatou (83 pessoas) à viagem espacial vai ter uma surpresa à espera, a decidir até lá. A entrada na festa também é gratuita.

“Contudo, num futuro não muito longínquo os avanços da ciência e da tecnologia vão permitir que o espaço se torne um destino turístico possível”, refere um comunicado da Ciência Viva divulgado este domingo. “Para fazermos esta brincadeira, tinha de ser sobre ciência e ser credível”, explica ainda Ana Noronha. “O turismo espacial é mesmo uma coisa em desenvolvimento.”

O primeiro turista espacial foi o norte-americano Dennis Tito, em 2001, que a troco de 20 milhões de dólares (17,5 milhões de euros) foi até à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) na nave russa Soiuz. Neste momento, há empresas a investir no turismo espacial. Uma delas é a Virgin Galactic, que está voltada para o mercado do turismo e a desenvolver uma nave com a empresa Scaled Composites. O português Mário Ferreira é um dos que já tem viagem marcada ao espaço como turista da Virgin Galactic.

Outra empresa é a SpaceX, que já fez vários voos para a ISS e teve o primeiro aparelho espacial privado a entregar e trazer carga na estação espacial, a cápsula Dragon. E que esta quinta-feira enviou para o espaço o primeiro foguetão a ser reutilizado (aqui usado para lançar satélites), cujo primeiro voo tinha sido há quase um ano e que consistiu depois em voltar a aterrar numa plataforma no mar. Agora, após o lançamento, o foguetão Falcon-9 voltou a pousar na plataforma no mar. Também no final de Fevereiro, a SpaceX anunciou que foi contactada por dois cidadãos para fazer uma viagem em órbita da Lua já em 2018.

Tem ainda havido concursos (a sério) para viagens no espaço, em que até portugueses se candidataram, nomeadamente um concurso da Agência Espacial Europeia, em 2008, e outro lançado pelo projecto Mars One, que diz querer criar a primeira colónia humana em Marte.

Quanto à mentira deste sábado, além de ter uma longa tradição nos jornais, agora em desuso, começa a ser uma brincadeira típica da Ciência Viva. “As nossas mentiras dão o mote para a festa de aniversário do Pavilhão do Conhecimento”, refere o comunicado da Ciência Viva. Há dois anos, esta agência de divulgação da ciência anunciou no Facebook que iria construir uma praia urbana na zona envolvente no Pavilhão do Conhecimento. E no dia do seu aniversário, 25 de Julho, improvisou-se mesmo uma praia no Parque das Nações, onde fica o Pavilhão do Conhecimento, com esplanadas, gelados de azoto e “cocktails” moleculares. Nesse ano, participaram no evento 3514 pessoas.

No ano passado, a Ciência Viva voltou a publicar na mesma rede social que o Pavilhão do Conhecimento iria passar para os terrenos da antiga feira popular, em Lisboa. Acabou também por se criar uma pequena feira popular com uma roda gigante, viagens de comboio, tiro às latas, pipocas e algodão-doce em que estiveram 4336 pessoas.

Esparguete nas árvores ou Cláudio Torres na Casa Branca

Actualmente, um dos problemas é que circulam notícias falsas pelas redes sociais e pela internet e essas, sim, afectam a credibilidade do jornalismo. Quanto ao Dia das Mentiras, ele é mesmo uma excepção e, tradicionalmente, era o único em que era permitida uma partida, com um certo humor e improbabilidade, claramente esclarecida como tal no dia seguinte. Por exemplo, nos anos 60, houve jornais portugueses que anunciaram que Eusébio ia passar para o Futebol Clube do Porto. Lá fora, a reputada BBC chegou a anunciar, em 1957, a existência de uma árvore que produzia esparguete.

O PÚBLICO também costumava assinalar este dia e, logo em 1991, “noticiava” que Paco Bandeira tinha sido preso em Espanha, depois de ter criticado a forma como os espanhóis recebiam os portugueses. Também em 1997 o jornal anunciava que a Lusoponte, concessionária das pontes sobre o rio Tejo em Lisboa, iria ter mais 40 milhões de euros, para prevenir que em Março de 1998 ocorresse uma nova crise nas portagens.

Actualmente, o Dia das Mentiras já não ocupa as páginas dos jornais como outrora. Na edição do PÚBLICO de 1 de Abril de 2002 já se referia que a tradição deste dia estava a perder expressão na imprensa generalista. Mesmo assim, nesse ano o jornal ainda marcou o dia em dose dupla: adiantava que o cinema São Jorge, em Lisboa, seria convertido numa megadiscoteca, por decisão do então presidente da câmara lisboeta Pedro Santana Lopes; e que o arqueólogo Cláudio Torres tinha sido nomeado pela Casa Branca para integrar um departamento que iria definir a política norte-americana para o Médio Oriente.

Ainda em 2002, o jornal 24 Horas anunciava o casamento de Herman José com a modelo Marisa Cruz e que iria ser transmitido em directo na SIC a 27 de Junho. Já o Comércio do Porto referia que o ex-treinador do FC Porto, Octávio Machado, estava confirmado como ministro da Agricultura e Pescas.

Mais recentemente, em 2011, o jornal britânico The Independent dizia que Portugal, como país, tinha “vendido” Cristiano Ronaldo a Espanha. Também já se escreveram textos de propósito para o Dia das Mentiras que acabaram por vir a ser verdadeiros, como a criação do metro do Porto. Mais cedo ou mais tarde, as viagens de qualquer um de nós ao espaço também deverão ser uma realidade.

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