“Portugal tem um historial considerável de optimismo em relação à União Europeia”

José Santana Pereira, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, é um dos autores do relatório nacional do Eurobarómetro 86.

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José Santana Pereira, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Daniel Rocha

Que conclusão mais o surpreendeu no relatório?
Uma das conclusões mais interessantes deste relatório é o facto de ter havido um grande desanuviamento da opinião pública portuguesa em relação a um período de grande pessimismo e de grande negatividade, na maneira como os portugueses olhavam para o passado recente, para o futuro, para a União Europeia e, acima de tudo, para as suas instituições políticas como o Governo e o Parlamento. Este é um resultado central: o facto de, nos últimos tempos, ter havido um incremento na taxa de confiança no Governo e no Parlamento. Continua relativamente baixa, mas, ainda assim, em comparação com os números de 2014, por exemplo, é claramente mais elevada.

Que factores podem explicar isso?
Factores como a mudança do Governo, em primeiro lugar, e a mudança de estilo comunicacional por parte do Governo e por parte dos partidos que estão no Parlamento. [Estes factores] poderão estar, de alguma maneira, associados a esta melhoria. Por outro lado, o fim do programa de ajustamento em 2014 poderá também ter tido um impacto na maneira como os portugueses olham hoje em dia para a União Europeia, para a Europa e para a integração. Durante os anos do bailout, a União Europeia era claramente vista como estando envolvida, directa ou indirectamente, nas políticas de austeridade que foram implementadas.

Há 52% dos portugueses que estão satisfeitos com o modo como a democracia funciona. O número é apresentado no relatório como positivo, porque em anos anteriores a percentagem era menor. Mas isto também quer dizer que quase metade dos portugueses não está satisfeita com o modo como a democracia funciona. O que significa isto e que razões o podem explicar?
O facto de apenas, e apenas entre aspas, 52% dizerem que estão satisfeitos com a maneira como a democracia funciona não significa que exista na população portuguesa uma clivagem entre democratas e antidemocratas. Esta pergunta do Eurobarómetro mede a satisfação com a maneira como os actores políticos actuais estão a jogar o jogo político, ou seja, não podemos dizer que há um problema em termos de validade da democracia e de legitimidade da democracia em Portugal, não é isso que os dados dizem. O que os dados dizem é que há uma proporção significativa da população que está menos satisfeita com o jogo democrático que está a ser jogado hoje em dia e com os dividendos desse jogo em termos económicos, sociais. Obviamente isto está intimamente associado ao facto de instituições políticas como o Governo, os partidos e o Parlamento serem alvo de confiança por proporções mais elevadas de cidadãos do que no passado, mas ainda proporções relativamente baixas.

Surpreende-o que, num momento em que a Europa atravessa uma crise, ou várias, prevaleça um sentimento de pertença e expectativas positivas dos portugueses?
Não me surpreende, porque Portugal tem um historial considerável de optimismo em relação à União Europeia que foi colocada em causa, acima de tudo, durante o período pós-crise da dívida soberana e durante o período de bailout. Ou seja, o que nós estamos a verificar é, de um certo ponto de vista, um regresso à normalidade, ao ponto de referência dos portugueses na sua relação com a União Europeia. Por outro lado, muitas das questões que estão na base da crise da União Europeia noutros países não são tão centrais no caso português. Se pensarmos, por exemplo, na crise dos refugiados, que é central em vários países, a questão da imigração ou a questão do terrorismo que, de alguma maneira, podem erodir a avaliação de que a integração europeia é alvo, estes são problemas menos importantes para os portugueses. E isso talvez se traduza num menor impacto negativo destes eventos nas atitudes dos portugueses em relação à Europa, do que em países como França, Alemanha ou Itália, em que nas questões de segurança e de imigração se pode perceber que a União Europeia não está a fazer o suficiente para lidar com estes problemas.

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