Londres entrega os papéis para o divórcio, UE define as suas condições

Primeira-ministra britânica inicia processo do “Brexit” esta quarta-feira. Seguem-se 24 meses de negociações duras, mas que ambas as partes querem que terminem em acordo.

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Theresa May esta terça-feira a assinar a carta que activa o artigo 50.º Reuters/POOL

Theresa May faz chegar esta quarta-feira a Bruxelas a carta em que formaliza a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, activando o artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Será o início do processo de negociações para a primeira saída de um Estado-membro da UE.

O principal objectivo da União Europeia é alcançar um acordo com Londres que permita uma saída ordeira, evitando o cenário de uma ruptura caótica. Do lado da União, a primeira das condições é manter a unidade entre os 27 durante o complexo processo negocial, que deverá começar em Maio.

A factura do “Brexit”, os direitos dos cidadãos da UE a viver no Reino Unido e dos britânicos a residir nos 27 deverão ser os pontos mais sensíveis deste divórcio, de acordo com fontes em Bruxelas ouvidas pelo PÚBLICO. Primeiro será necessário fixar os termos da separação, após 44 anos de história em comum. Depois, negociar o modelo da futura relação.

Assim que Theresa May notificar a intenção do Reino Unido, começa a contagem decrescente. Dois anos depois, os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Reino Unido, mesmo na ausência de um acordo de saída. O que significa que a UE e Londres têm 24 meses para conseguir um “divórcio amigável” - ainda que esse prazo possa ser prorrogado.

Direitos dos cidadãos

Em Bruxelas está tudo a postos. A equipa de negociadores da UE é composta por 30 peritos e liderada pelo antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-comissário europeu, o francês Michel Barnier. No dia 29 de Abril, os líderes dos 27 reúnem-se para definir a posição da UE e as linhas directrizes do mandato de Barnier.

A ausência de um acordo entre as partes teria “consequências muito graves”, alertou na semana passada Barnier, numa sessão do Comité das Regiões da UE. A começar para os cerca de três milhões de cidadãos dos 27 Estados-membros a viver no Reino Unido e os 1,5 milhões de britânicos residentes na UE que enfrentariam uma situação de incerteza sobre os seus direitos. Por outro lado, a reintrodução de controlos alfandegários obrigatórios abrandaria as trocas comerciais e provocaria filas de camiões nos portos de acesso ao Reino Unido, entre outras consequências.

O objectivo em Bruxelas é, portanto, concluir as negociações com êxito. “Queremos um acordo”, garantiu Michel Barnier. Do lado da UE, a prioridade logo no início das negociações é garantir os direitos dos cidadãos europeus que residem e trabalham actualmente no Reino Unido - e dos britânicos que vivem fora. Há cidadãos de muitas nacionalidades (entre os quais portugueses) com diversos estatutos - estudantes, trabalhadores, investigadores, reformados.

Este ponto é sensível porque envolve o direito à residência, acesso ao mercado de trabalho e à educação, reformas ou prestações sociais. Além de que a negociação vai decorrer num contexto em que muitos no Reino Unido pretendem restringir a entrada e os direitos dos imigrantes.

Na equipa da UE admite-se que este capítulo demore vários meses a negociar implicando um trabalho político e jurídico complexo. O objectivo é garantir os princípios da continuidade, reciprocidade e não-discriminação.

A factura

Como em todos os divórcios, também esta separação tem um custo. A factura do “Brexit” vai ser provavelmente a questão mais difícil em cima da mesa das negociações e poderá complicar um acordo. A factura deverá incluir as obrigações e contribuições financeiras assumidas pelo Reino Unido como membro da UE.

Em Bruxelas, ainda não há um montante global oficial para o “Brexit”. Estudos realizados por think tanks calculam a separação entre 50 a 60 mil milhões de euros. Em entrevista à BBC na semana passada, o presidente da Comissão Europeia admitiu que a factura possa andar à volta de 58 mil milhões.

Mas resta sobretudo saber qual a abertura do Governo britânico para aceitar discutir este capítulo. Ou seja, que disponibilidade tem para pagar e quanto. Será necessário fixar métodos de cálculo para apurar montantes, prazos, etc. O conjunto do processo negocial pode ficar contaminado se o capítulo da factura correr mal.

Fronteiras internas

Para a UE é igualmente importante clarificar a situação nas novas fronteiras externas. Com o “Brexit”, coloca-se a questão da situação na fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, ou em Gibraltar. A saída do Reino Unido poderá obrigar a repor controlos na fronteira irlandesa que desapareceram com os acordos de paz de 1998. A possível reintrodução de direitos alfandegários poderá afectar as trocas comerciais numa região que recebe também ajudas de um programa da UE para apoio à paz, reconciliação e desenvolvimento económico.

Estes são os pontos prioritários para o bloco comunitário. Primeiro, conseguir um acordo para separação ordeira do Reino Unido. E só depois discutir a futura relação, ainda que Londres queira negociar tudo em simultâneo.

Se tudo correr bem, o pós-divórcio passa por um acordo de comércio livre. Mas se houver ruptura das conversações, então será mais difícil estabelecer o modelo futuro.

Garantir liberdades

O acordo alcançado deverá ser aprovado pelos 27 e pelo Parlamento Europeu. Os eurodeputados vão aprovar uma resolução com as suas prioridades para as negociações. Paulo Rangel (PSD) e Pedro Silva Pereira (PS) defendem que as “linhas vermelhas” do lado da UE devem ser claras. Em concreto, é preciso salvaguardar o estatuto dos cidadãos, os compromissos financeiros de Londres e as quatro liberdades indissociáveis (pessoas, mercadorias, serviços e capitais).

Resumindo, o Reino Unido não pode ter acesso ao mercado único se não garantir liberdade de circulação para os cidadãos da UE.

Silva Pereira alerta para outro ponto. “Até se alcançar um acordo de divórcio, o Reino Unido é membro da UE e deve respeitar o princípio da livre circulação de pessoas”, alerta em alusão às notícias de que o Governo de Theresa May poderá pôr fim a esta política durante as negociações.

“No final, não podemos ter uma solução em que o Reino Unido esteja melhor do que agora, porque isso pode ser um incentivo para outros países saírem” da EU, sublinha Paulo Rangel. 

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