Tempo dedicado à Matemática em Portugal é superior à média da OCDE

Presidente do Conselho Nacional de Educação defende que flexibilização curricular só dará frutos com mudança nos horários escolares. Alunos mais novos estão mais tempo na escola do que os mais velhos. Há “algum desequilíbrio na distribuição dos tempos lectivos”.

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Só há mais cinco países da OCDE, para além de Portugal, que têm tempo de ensino não obrigatório Adriano Miranda

Portugal é, em conjunto com o México, o país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde o ensino da Matemática tem um maior peso no tempo total de aulas do 1.º e 2.º ciclos de escolaridade, que abrange alunos entre os seis e os 12 anos. A Matemática ocupa 27% do tempo de ensino, contra 12% na Dinamarca, por exemplo.

Ao contrário do que sucede em todos os outros países da OCDE onde, no 1.º e 2.º ciclos, se aposta mais na Leitura, Escrita e Literatura, em Portugal as letras têm o mesmo peso dos números. Esta mesma singularidade repete-se no 3.º ciclo, onde as duas áreas têm um peso, cada uma, de 13%.

Estes são alguns dos dados constantes de um novo estudo do Conselho Nacional da Educação sobre a organização escolar, que tem como objecto o tempo de ensino e que é baseado parcialmente em estatísticas da OCDE e da União Europeia já divulgadas.

Em média, na OCDE, a área de Leitura, Escrita e Literatura tem um peso, nos primeiros ciclos de ensino, de 22% e a de Matemática de 15%.

Outra característica portuguesa é a de as escolas ocuparem cerca de 70% do tempo de ensino obrigatório no 1.º e 2.º ciclos com apenas quatro áreas: Leitura, Escrita e Literatura (27%), Matemática (27%), Artes (9%) e Ciências Naturais (7%). Em média, na OCDE, estas preenchem não mais do que 53% do tempo, um valor que desce para 51% se se olhar para o que se passa nos países da União Europeia analisados. Em muitos sistemas de ensino é comum que uma fatia importante do tempo obrigatório que os alunos passam na escola seja ocupada com ofertas promovidas pelos estabelecimentos de ensino ou regiões.

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Já no 3.º ciclo, o peso atribuído às chamadas “áreas estruturantes” em Portugal está próximo da “média da OCDE em Leitura, Escrita e Literatura (13%), Matemática (13%) e Artes (7%), coincide com a média em Educação Física e Saúde (7%) e situa-se acima em Ciências Naturais (18%), Estudos Sociais (14%) e Línguas Estrangeiras (16%)”.

Esta comparação tem particular relevância numa altura em que o Ministério da Educação se prepara para experimentar, em algumas escolas, uma nova forma de organização do ensino, que aposta na transdisciplinaridade, privilegiando-se a abordagem por temas em detrimento da organização por disciplinas, o que é o oposto do que se passa actualmente.

Mais horas de escola para os mais novos

Na introdução ao estudo do CNE, o seu presidente, David Justino, frisa que “a adequação dos modelos de organização do tempo aos conteúdos e organizações curriculares acaba por ser a pedra de toque para conseguirmos criar um bom ambiente de aprendizagem”.

De seguida, chama a atenção para a necessidade de alterar o modelo de horários escolares sob pena de a anunciada reforma não produzir frutos. “Flexibilizar e diferenciar o desenvolvimento curricular sem que exista capacidade de inovação e organização dos horários e do planeamento das actividades lectivas e não lectivas ao longo do ano, poderá ser um esforço cujos efeitos esperados poderão ser anulados pela forma como se afecta a multiplicidade dos tempos às aprendizagens”, escreve.

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De regresso aos alunos mais novos, refira-se que no 1.º ciclo do básico só a partir de 2006, com Maria de Lurdes Rodrigues como ministra da Educação, se definiu um tempo mínimo semanal para ser consagrado ao ensino de Português e Matemática. Começaram por ser atribuídas oito horas à primeira disciplina e sete à segunda, mas depois o tempo entre elas passou a ser distribuído por igual: sete horas por semana.

Devido à frequência das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) no 1.º ciclo que, apesar de não ser obrigatória, se generalizou praticamente a todos os alunos, Portugal é depois da Grécia o país onde as crianças mais tempo passam na escola. De resto, só em cinco outros é que existe o chamado “tempo de ensino não obrigatório”, como é o caso das AEC.

Estas actividades, que têm uma duração que varia entre três e cinco horas semanais, foram implementadas no primeiro Governo de José Sócrates, para concretizar a chamada escola a tempo inteiro. No conjunto dos quatro anos em que existem correspondem a um acréscimo de 1303 horas na carga horária total do 1.º ciclo.

Olhando apenas para o tempo de ensino obrigatório, onde estão as disciplinas estruturantes, constata-se que em Portugal os alunos mais novos (1.º e 2.º ciclo de escolaridade) passam mais horas nas salas de aula do que os colegas da OCDE e da UE — 822 horas em Portugal, enquanto na OCDE a média se situa nas 799 horas e na União Europeia se fica por 775. No 3.º ciclo as diferenças esbatem-se.

No geral, e em Portugal também, o tempo de ensino obrigatório é superior no 3.º ciclo de escolaridade do que nos níveis anteriores. Mas com a existência das AEC, os alunos mais novos passam bastante mais tempo na escola do que os seus colegas mais velhos que, no conjunto dos três anos do ciclo, têm 80 horas de ensino não obrigatório contra as 1303 do 1.º ciclo.

“Algum desequilíbrio”

Também ao contrário do que se passa na maioria dos países da OCDE, a diferença entre o tempo de ensino obrigatório no 1.º e 2.º ciclo e no 3.º ciclo é pouco significativa (70 horas). Para o presidente do Conselho Nacional de Educação, tal “permite sugerir que existe algum desequilíbrio na distribuição dos tempos lectivos com uma carga horária excessiva, em comparação com os restantes países, nos primeiros ciclos de escolaridade e deficitária nos ciclos seguintes”. No 3.º ciclo o tempo de ensino obrigatório ronda em Portugal as 892 horas anuais, o que o situa na média da UE (895), mas um pouco abaixo da registada entre os países da OCDE (915 horas).

Outra particularidade portuguesa destacada por David Justino prende-se com o facto de existirem “mais dias de aulas nos primeiros ciclos de escolaridade e menor número nos ciclos seguintes”.

“Esta característica desafia o princípio generalizado de que o número de dias de aulas deverá aumentar à medida que se progride na idade e nos trajectos escolares”, escreve o presidente do CNE e ex-ministro da Educação.

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