O milenar romance entre a música e a palavra toma conta dos Dias da Música

O festival de música clássica regressa para explorar a ligação complementar entre a literatura e a música e decorre nos dias 28, 29 e 30 de Abril no Centro Cultural de Belém.

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Orquestra Sinfónica Metropolitana David Rodrigues

O casamento entre o ritmo e a oralidade é uma prática universal a toda a história da palavra cantada e falada, das primeiras cantigas de amigo escritas pelos trovadores medievais às diversas obras dos compositores contemporâneos. As Letras da Música, a décima primeira edição do festival Dias da Música, propõe-se reflectir sobre as múltiplas relações existentes entre a música e a literatura a partir de uma programação que conta com dezenas de concertos e conferências que ocuparão o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, nos dias 28, 29 e 30 de Abril. “Muitas vezes as palavras levam-nos à música e vice-versa”, começou por dizer Elísio Summavielle em conferência de imprensa esta terça-feira. O Presidente do Conselho de Administração do CCB sublinhou que esta é “uma iniciativa que já se tornou uma marca importante da actividade desenvolvida pelo CCB” e que justifica o seu investimento – este ano, de 470 mil euros – com o carácter de “serviço público” que assume para levar a música a um “público heterogéneo de diferentes origens sociais com um interesse em comum: a música”.

Os Dias da Música inauguram na sexta-feira com um concerto da Orquestra Sinfónica Metropolitana e do Coro da Fundação Princesa das Astúrias, que interpretarão Ivan, o Terrível de Sergei Prokofiev, a banda sonora dos filmes de Sergei Eisenstein, e serão acompanhados pela narração do actor Miguel Moreira. No mesmo dia, a Sala Chico Buarque acolherá uma homenagem ao cantor e escritor brasileiro que estará a cargo de JP Simões. “Procuramos garantir que temos oferta para um público familiarizado com a música erudita, mas ao mesmo tempo queremos uma oferta abrangente o suficiente para um público que nunca contactou com a música”, explicou André Cunha Leal. Na senda da música erudita, o programador destacou o concerto de sábado dedicado à Sonata Kreutzer, que “muita gente reconhece como sendo de Beethoven, mas que é também um dos grandes livros de Tolstoi”. Em 1889, o escritor russo escreveu um curto romance a partir da sonata que fala da sociedade russa de finais do século XIX.

O clássico e o contemporâneo vão de mãos dadas nos Dias da Música do CCB, e prova disso é o concerto do Ensemble Darcos que parte do conto O Rapaz de Bronze, de Sophia de Mello Breyner Andresen e que conta com música de Nuno Côrte-Real e libreto de José Maria Vieira Mendes. O encontro entre a música e a palavra também conta com a presença da Bíblia, “o maior best-seller do mundo”, no concerto A Paixão Segundo São João, com interpretação do Coro e Orquestra XXI, uma orquestra formada por membros residentes de várias orquestras europeias que se juntam pontualmente para eventos especiais.

Ainda no sábado é explorada a convergência das obras de Beethoven e Goethe pela Orquestra Câmara Portuguesa, acompanhada pela narração de Pedro Gil. “O actor tem aqui um trabalho quase facilitado, porque a explosão musical é tamanha — quase nos faz levantar o punho”, atira André Cunha Leal, que destaca ainda, no domingo, a apresentação do Ludovice Ensemble de “uma das cenas mais emblemáticas representadas na corte de D. Luís XIV, o Rei Sol”, através de excertos de Le Bourgeois Gentilhomme, de Molière e Jean-Baptiste Lully. Também Sonho de Uma Noite de Verão de William Shakespeare tem lugar na festa da música clássica e estará a cargo dos Músicos do Tejo a partir de excertos de Fairy Queen, de Henry Purcell.

André Cunha Leal ressalva o lugar ocupado pela ópera na edição do festival deste ano, dado que “há mais óperas e óperas mais completas” e aponta, a título de exemplo, o concerto de encerramento Candide ou o Otimismo, interpretado pela Orquestra Sinfónica Portuguesa e pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos a partir da música de Leonard Berstein.

A música portuguesa é uma grande aposta desta edição do festival e, naturalmente, o fado também marca presença. À semelhança do que aconteceu em anos anteriores, há um concerto surpresa em que o público é convidado a comprar bilhete “às cegas”. A fadista Aldina Duarte, por sua vez, irá estar presente no domingo na conversa Os Poetas Que Eu Cantei para falar do “resgate da poesia para o fado”. Sérgio Godinho participará na conversa A Música e as Palavras, esta no sábado, onde segundo André Cunha Leal, “irá brincar com as palavras”, como já fez em canções como O Primeiro Dia e Um Brilhozinho nos Olhos.

Como é habitual, o programa também pensa nos mais pequenos, com teatro, exposições e concertos como Menina do Mar, um espectáculo que parte do conto de Sophia de Mello Breyner Andresen e da música de Bernardo Sassetti e que mistura música, teatro e cinema de animação. “Este festival é indicado para pessoas dos 0 aos 99 anos, é mesmo para todos”, reconhece André Cunha Leal. Com 1400 músicos distribuídos por 50 concertos ao longo de três dias, o evento espera, segundo Elísio Summavielle, “superar os 80% de taxa de ocupação” de 2016. A partir de quinta-feira, serão postos à venda 28 mil bilhetes entre os 4€ e os 12€.

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