Lições pragmáticas sobre a dívida pública

Neste jogo de paciência, negociação e didactismo, só falta a Costa fazer o mais difícil: baixar ano a ano o stock da dívida. E ajudar a levantar o rating da República.

Passaram três anos desde que um grupo de 40 personalidades lançou um polémico manifesto, que exigia a Passos uma acção decisiva. Chamava-se “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”, incluía algumas personalidades da direita, mas era sobretudo um manifesto que juntava as esquerdas. À distância, terá sido talvez a primeira peça a uni-las: lá estavam futuros ministros destes Governo, vários e destacados dirigentes do Bloco, muitos economistas e constitucionalistas. Em comum, todos partilhavam uma grande dose de preocupação, até cepticismo quanto ao programa de ajustamento que estava em curso.  

António Costa era, na altura, presidente da Câmara de Lisboa — e, como tal, pôs-se de fora desse documento. Tão-pouco se mostrou um entusiasta. Um ano depois, nas eleições primárias do PS, Costa mostrava-se muito prudente na abordagem deste tema: mais do que Seguro, Costa sublinhou que só via como possível uma solução negociada no plano europeu. Uma renegociação só teria o seu apoio se (e apenas se) esse pré-requisito estivesse preenchido.

Passou outro ano até Costa chegar a primeiro-ministro. E, para se entender com o Bloco sem que ninguém perdesse a face, aceitou a formação de um grupo de trabalho para estudar a nossa dívida externa. Preto no branco, ficou assim definido: os dois partidos indicariam quem lá estaria, o Governo presidiria aos trabalhos. Prometiam-se “relatórios semestrais”. E lá esperámos seis meses — não para o primeiro relatório, mas pela constituição da equipa. Depois outros seis passaram, mas nada parecia acontecer. Já lá vai ano e meio e estamos na mesma: não há relatório publicado, apenas mais uma promessa de que está para breve. Tudo como dantes no Quartel-General de Abrantes? Nem por isso.

Durante este ano e meio, a equipa foi trabalhando e o Governo foi aproveitando esse trabalho. Foi com dados do grupo de trabalho que o Banco de Portugal acabou por ceder e aceitar distribuir maiores dividendos pelo Orçamento do Estado; é com os dados e o conforto dele, também, que o Governo tem procurado antecipar os pagamentos que pode ao FMI (até ao limite do que Bruxelas aceita). E, sobretudo, é com os dados lá trabalhados que o Bloco vai interiorizando algum pragmatismo na forma como o assunto deve ser tratado: evitando rupturas ou renegociações unilaterais, procurando soluções pragmáticas que, aos poucos, vão diminuindo os juros a pagar.

Neste jogo de paciência, negociação e didactismo, só falta a Costa fazer o mais difícil: baixar ano a ano o stock da dívida. E ajudar a levantar o rating da República. Ironia: se o fizer, deixa de ser preciso renegociar a dívida.

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