Nove anos de prisão para ex-directora de lar de jovens em Reguengos

Lar encerrado em 2015 pertence à Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz. Provedor foi absolvido do crime de maus tratos por omissão.

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Lar Nossa Senhora de Fátima em Reguengos de Monsaraz guilherme marques

Agressões entre jovens e a funcionárias, fugas da instituição não participadas à polícia nem pela direcção do lar nem pela instituição a que pertencia o Lar Nossa Senhora de Fátima, a Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz.

Crianças e jovens que viviam no lar depois de serem retirados às famílias onde estavam em perigo, recebiam ali tratamento psiquiátrico e frequentavam a escola. Entre as cerca de 30 crianças e jovens acolhidos, alguns tinham graves patologias. Entre estes, alguns recusavam a medicação, tornavam-se agressivos. Noutros casos, os jovens fugiam e andavam desaparecidos vários dias, lê-se no acórdão proferido esta segunda-feira e no qual o Tribunal de Évora condenou a directora do lar, a psicóloga Vânia Pereira, que dirigiu a instituição entre 2008 e 2014, a uma pena de nove anos de prisão efectiva pelos crimes de abuso sexual continuado de menor dependente, maus tratos e peculato. Foi a única responsável entre os oito arguidos neste processo a ser condenada a uma pena efectiva. 

Num dos casos mais problemáticos e que é relatado na decisão, o jovem andava sozinho pelas ruas, consumia estupefacientes e assumia comportamentos de risco como, por exemplo, caminhar junto à linha do comboio. Muitas vezes, procurava a mãe em Évora. De todas as vezes, tinha de regressar à instituição que acolhia crianças e jovens em perigo, e foi encerrada em 2015.

Entre os jovens, havia quem tivesse navalhas, e ameaçasse os mais novos. Entre esses, um em particular era visto de forma diferente pelos outros. Era conhecido como o “preferido da directora”. À saída nem a ex-responsável, de 37 anos, condenada nem o seu advogado Jerónimo Santos deram informações sobre o que se seguirá.

A presidente do colectivo de juízes do Tribunal de Évora considerou alguns factos de “natureza muito grave” uma vez que as crianças e jovens acolhidas nesta instituição estavam “sob a protecção do Estado” e sob protecção da arguida condenada. “Protecção que não existiu”, conclui esta segunda-feira a magistrada. A Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz e o seu provedor Manuel Galante foram absolvidos dos crimes de que estavam acusados: maus tratos e sequestro agravado, por omissão.

Envolvimento sexual

A juíza-presidente Sílvia Patronilho salientou em particular os factos dados como provados de envolvimento sexual com um dos jovens institucionalizados quando este tinha entre 14 e 15 anos. E considerou especialmente grave o facto de a responsável se ter aproveitado da situação do jovem e de ter posto em perigo o seu desenvolvimento psicossexual.

Além das acusações de abuso sexual e maus tratos, o colectivo de juízes considerou como provado que Vânia Pereira, encarregada de educação dos jovens enquanto directora de um lar de infância e juventude, movimentava as contas que abriu para alguns deles. E nalgumas circunstâncias, apropriou-se de dinheiro pertencente a crianças acolhidas e de bens da instituição, como subsídios que recebiam da Segurança Social, alguns por incapacidade,

 “Por via do exercício das suas funções de directora técnica do lar, tinha o encargo de administrar os rendimentos recebidos pelas crianças e jovens” e assim “decidiu que faria suas quantias existentes” nalgumas contas bancárias.

Caso com mais de 60 testemunhas

Quando foi detida para interrogatório, as autoridades policiais apreenderam computadores, telemóveis, tablets e outros documentos, entre os quais os livros de ocorrências do lar.

Além da prova documental apresentada pelo Ministério Público, mais de 60 testemunhas de acusação passaram pelo julgamento, entre as quais estavam jovens que tinham pertencido ao Lar de Infância e Juventude, entretanto encerrado, e técnicas da Segurança Social.

Entre as outras arguidas, quatro técnicas do lar e uma auxiliar foram absolvidas de maus tratos e agressões físicas. Foi considerado convincente o argumento de uma das técnicas – relativo ao sequestro agravado – de que só contendo o jovem em causa se poderia impedir que o mesmo colocasse a sua vida em perigo. O jovem deixara de tomar a medicação, consumia drogas e fugiu pelo menos 15 vezes do lar. Uma auxiliar foi condenada a dois anos de pena suspensa por agressões físicas a jovens da instituição que se recusavam a tomar a medicação.

Jerónimo Santos, advogado de Vânia Pereira, que fica obrigada a pagar indemnizações a ofendidos e inibida de trabalhar com crianças por cinco anos, não prestou declarações depois de proferida a decisão. Leonor Pinto, advogada de Manuel Galante, apenas reagiu dizendo que esta acusação de que tinha sido objecto a Santa Casa de Reguengos e seu provedor tinha sido “muito injusta”.

O inquérito foi iniciado em 2011 na sequência de uma participação feita pela Segurança Social e incidiu no período de 2008 a 2014. O lar, fundado em 1936, ainda como Patronato de Nossa Senhora de Fátima, passou a integrar a Santa Casa da Misericórdia em 1980. O acordo de cooperação entre a Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz e o Centro Distrital de Évora da Segurança Social existia desde 1998 e previa visitas periódicas de acompanhamento e inspecções da Segurança Social. O despacho de acusação cita um excerto do relatório de uma dessas inspecções, de Dezembro de 2012: “Não é possível garantir a segurança, mesmo a nível da integridade física das crianças mais pequenas, facto que ressalta dos livros de ocorrências.”

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