Descobertos novos ventos na atmosfera super-rápida de Vénus

Cientistas portugueses conseguiram demonstrar, pela primeira vez, a existência de um vento meridional em Vénus, entre o equador e os pólos, que pode ajudar a esclarecer o mistério da super-rotação da sua atmosfera.

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Planeta Vénus DR
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Atmosfera de Vénus vista pela sonda europeia Venus Express DR

Vénus, onde um dia é mais longo do que um ano, é estranhamente lento se nos detivermos na rotação do planeta, mas a atmosfera que a envolve viaja a velocidades estonteantes que ultrapassam em muito a força de qualquer furacão na Terra. É o misterioso fenómeno da super-rotação da atmosfera de Vénus que ninguém sabe como começou e como se mantém. Num artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Icarus, investigadores portugueses dão um contributo que pode ser crucial para entender este fenómeno, tendo detectado um terceiro sistema de ventos que circulam entre o equador e os pólos.

Vénus é parecido com a Terra (no seu tamanho, por exemplo) e, ao mesmo tempo, muito diferente. Um dia em Vénus demora 243 dias terrestres (o planeta roda no sentido inverso aos outros planetas do sistema solar) e a rotação do planeta à volta do Sol demora 224 dias, o que faz com que um dia seja mais longo do que um ano. Vénus tem também uma temperatura à superfície que ronda os (insuportáveis) 450 graus Celsius e está coberto por uma densa camada de nuvens feitas de ácido sulfúrico. “Um inferno”, resume o astrofísico Pedro Mota Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), que liderou o estudo de uma equipa internacional que apresenta novos dados sobre os ventos que sopram neste “gémeo terrível” do planeta Terra. São forças que fazem com que a atmosfera de Vénus circule o planeta 60 vezes mais depressa do que o seu globo sólido, quando na Terra tudo parece andar sincronizado. Vénus é um planeta envolvido num eterno e poderoso furacão.

Já se sabia que em Vénus há ventos zonais que sopram paralelos ao equador a velocidades que podem ultrapassar os 450 quilómetros por hora (na Terra, os furacões mais fortes ficam-se pelos 250), há vórtices que fazem remoinhos impressionantes nos pólos e, agora, percebeu-se que há também um outro sistema de um vento meridional que circula entre os pólos e o equador. “Esta detecção é crucial para entender o transporte de energia entre a zona equatorial e as altas altitudes, o que é fundamental para perceber o mecanismo que está por explicar há décadas e que leva a atmosfera de Vénus a entrar em super-rotação”, diz Pedro Mota Machado.

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Telescópio Canadá-França-Havai DR

Este novo sistema de ventos, que viajam a uma velocidade média de 81 quilómetros por hora, é perpendicular ao equador e foi identificado nos dois hemisférios, formando uma circulação atmosférica que é característica de uma célula de Hadley (que também existe na atmosfera terrestre). Como funciona a célula? “O ar na zona equatorial recebe mais radiação solar, aquece, sobe e depois é transportado perpendicularmente ao equador até às altas altitudes e, por volta dos 60.º Norte e Sul, segundo as medições que fizemos, o ar arrefece e afunda-se. Depois, abaixo da camada das nuvens, regressa ao equador”, explica. O estudo demonstra que, em cada um dos hemisférios de Vénus, funciona uma destas células e que são simétricas.

O astrofísico nota que outros estudos já tinham antecipado que “teria de existir um transporte de energia da zona mais aquecida (equatorial) para latitudes mais altas, de modo a poder acelerar as partículas do ar e, assim, chegar a este fenómeno de super-rotação”. Mas só agora, com a medição deste vento meridional em Vénus, a teoria fica comprovada.

Os resultados da equipa que integra Ruben Gonçalves, também do IA, e especialistas a trabalhar em França e no Japão, foram conseguidos com observações simultâneas e coordenadas da atmosfera de Vénus, realizadas com a sonda espacial europeia Venus Express e com o Telescópio Canadá-França-Havai, utilizando um espectrógrafo de alta resolução. Para as medições, foi desenvolvido um método único no mundo, que se baseia no efeito de Doppler. “Usámos a luz da radiação solar que é reflectida na camada das nuvens de Vénus [a cerca de 70 quilómetros de altitude] e que chega aos nossos telescópios e que serve como impressão digital da velocidade das partículas.”

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Astrofísico Pedro Mota Machado DR

Perceber o que empurra com tanta força a atmosfera de Vénus e como a energia é transportada pelo ar pode permitir que surja aqui uma espécie de marcador para definir as atmosferas de planetas fora do nosso sistema solar que parecem ser parecidos com a Terra. “Este conhecimento e a sua relação com a velocidade da rotação dos planetas pode ajudar-nos a saber mais sobre a atmosfera de um qualquer exoplaneta do tipo da Terra que foi descoberto e ajudar a perceber se é mesmo do tipo da Terra ou se é do tipo Vénus, ou seja, se é um paraíso como o nosso lindo planeta azul ou se é um inferno que parece uma incineradora como Vénus.”

No final de 2012, Pedro Mota Machado publicou um outro estudo que revelava medições dos movimentos dos ventos venusianos apresentando um rigoroso “mapa dos ventos de Vénus”. Nesta altura, anunciou, o passo seguinte seria procurar comprovar a existência de ventos meridionais. Passados pouco mais de quatro anos, aqui estão eles. E agora, o que se segue? Os investigadores vão continuar a olhar para a atmosfera venusiana. “Ainda há muita coisa que não sabemos da atmosfera de Vénus”, nota o astrofísico. Porém, as atenções também se vão virar para Titã, uma lua de Saturno que, tal como Vénus, também roda muito lentamente e tem uma atmosfera em super-rotação. “O próximo passo é medir o meridiano em Titã”, avisa.

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