Fascistas, nazis e agora genocidas. Da Turquia, a Holanda já ouviu de tudo

O Governo holandês tenta mostrar dureza em relação a Ancara, ao mesmo tempo que tem de conter a narrativa que opõe a Europa ao islão, propagada pela extrema-direita.

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A tensão com a Turquia foi um dos temas do debate entre Rutte e Wilders Reuters/YVES HERMAN

Qual é a pior coisa que pode acontecer a um Governo que tenta conter a popularidade de um partido que defende a “des-islamização” da sociedade, nas vésperas de eleições? Entrar numa acesa guerra de palavras contra outro Governo de um país maioritariamente muçulmano seria um daqueles acontecimentos no topo dessa lista. Mas é precisamente isso que está a acontecer na Holanda, cujo clima de tensão com a Turquia aumenta de dia para dia.

Depois de ter apelidado o Governo holandês de “fascista” e “nazi”, o Presidente turco, Recep Erdogan, veio recordar um dos episódios mais traumáticos da História recente da Europa para fazer novas acusações contra os seus mais recentes adversários. “Conhecemos a Holanda e os holandeses do massacre de Srebrenica, sabemos quão podre é o seu carácter por causa do massacre de oito mil bósnios”, afirmou Erdogan, durante um discurso televisivo.

O líder turco referia-se ao massacre de oito mil homens e rapazes muçulmanos durante a Guerra Civil da Bósnia, em 1995, quando um pequeno contingente de capacetes azuis holandeses não travou o avanço das forças sérvias em Srebrenica, onde a população deveria estar a salvo. Em 2002, o Governo holandês demitiu-se reconhecendo o falhanço dos soldados em proteger a população muçulmana. Em 2016, o ex-líder dos bósnios sérvios, Radovan Karadzic, foi acusado de genocídio e condenado pelo Tribunal Internacional de Haia a 40 anos de prisão.

O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, classificou as declarações de Erdogan como uma “falsificação vil da História”. No dia anterior, Rutte tinha já exigido um pedido de desculpas por parte do Presidente turco, depois das comparações feitas entre a Holanda e a Alemanha nazi.

Erdogan ficou furioso depois de ter recebido recusas da Holanda e da Alemanha em autorizar a organização de comícios para fazer campanha junto das comunidades turcas nos dois países a favor da ampliação dos poderes presidenciais – assunto que vai ser objecto de um referendo a 16 de Abril. De Ancara vieram duras críticas direccionadas para os dois governos europeus, acusados de “fascistas” e “nazis”.

O caso holandês assumiu proporções mais sérias. Durante o fim-de-semana, o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlut Cavusoglu, foi impedido de aterrar em território holandês, onde se preparava para participar num comício em Roterdão. O incidente levou a alguns confrontos entre a polícia e turcos na cidade e Ancara decidiu impedir o regresso do embaixador holandês na Turquia, que se encontrava ausente do país, até que fosse feito um pedido de desculpas.

O efeito eleitoral

Mas Rutte manteve a sua recusa em ceder perante Erdogan e, a poucas horas da abertura das urnas para as eleições gerais desta quarta-feira, essa posição pareceu valer votos. Uma das sondagens mais recentes dava ao seu partido, o VVD, de centro-direita, uma ligeira vantagem em relação ao Partido da Liberdade (PVV), de extrema-direita, e que tem liderado na maioria dos inquéritos.

O polémico líder do PVV, Geert Wilders, que defende o fecho das portas do país à entrada de muçulmanos, tem aproveitado a tensão com a Turquia. Durante o debate com Rutte, na segunda-feira, Wilders exigiu uma resposta mais dura por parte do Governo. “Temos de expulsar o embaixador turco e a sua equipa”, afirmou. Apesar de o PVV de Wilders ser visto como um dos favoritos à vitória eleitoral, é muito pouco provável que os restantes partidos aceitem integrar uma coligação governativa com a extrema-direita, abrindo caminho a uma continuação do VVD no poder, com apoio de outras forças políticas.

Entretanto, outros países europeus com grandes comunidades de imigrantes turcos – que têm direito ao voto no referendo – anunciaram o cancelamento de comícios semelhantes, argumentando com razões de segurança. O chanceler austríaco, Christian Kern, sugeriu mesmo que a União Europeia adoptasse a proibição de comícios turcos como uma política aplicável a todos os Estados-membros.

Erdogan mostrou-se disponível para subir a parada e diz que o acordo com Bruxelas para a contenção do fluxo de refugiados do Médio Oriente pode estar em causa, ao mesmo tempo que tenta retratar uma Europa em guerra contra os muçulmanos. “Este assunto não envolve apenas a Turquia. Este fascismo que está a mostrar a sua cara suja está a ter um impacto negativo sobre todos os muçulmanos e estrangeiros a viver na Europa”, afirmou.

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