Treino duro, combate fácil

Esta época, no futebol profissional, entenda-se na arbitragem do futebol profissional, já tivemos visitas intimidatórias aos árbitros, paredes pintadas num estabelecimento comercial de um familiar, esperas à porta do trabalho da mulher de um árbitro para a ameaçar a ela e ao filho, perseguições na auto-estrada, janelas da moradia de um árbitro apedrejadas e mensagens ameaçadoras para os telemóveis e páginas pessoais nas redes sociais.

Confirma-se que ser-se árbitro do futebol profissional é uma actividade radical. Razoavelmente bem paga, mas precária e demasiado insegura.

Também esta época, no futebol não profissional, as “emoções” têm estado ao rubro.

Jovens que aspiram a um dia poderem chegar a dirigir jogos no patamar mais alto do nosso futebol têm vivido experiências que os “preparam” para momentos como os que descrevi no primeiro parágrafo. Treino duro, combate fácil. Diz-se...

Assim, apresento alguns dos números deste “treino duro” que acontece longe dos holofotes do futebol profissional:

— Trinta e seis árbitros de futebol foram agredidos esta época;
— Doze destes 36 árbitros agredidos são menores de idade;
— Onze destas 12 situações aconteceram em jogos dos escalões de formação.

E estes são os números oficiais de casos conhecidos pela APAF (Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol). Aqueles que pediram apoio jurídico à associação de classe para levar os agressores à barra do tribunal.

A quase totalidade destas agressões aconteceu em jogos dos campeonatos distritais e representam uma duplicação relativamente ao mesmo período na época passada.

Muitas outras situações ocorreram nas quais os árbitros, por medo ou vergonha, se deixaram ficar no silêncio.

Pergunto:

— Faz sentido um pai deixar um filho ou uma filha “meter-se” na arbitragem?
— Faz sentido o Estado português permitir que aconteçam jogos de futebol sem obrigar a que haja policiamento?
— Faz sentido um jovem sujeitar-se a ser agredido por um pai de um seu colega ou amigo porque se disponibiliza a apitar um jogo por seis euros?

Ser-se árbitro é uma paixão que não se explica facilmente. Diz-se, normalmente, que uma paixão não se explica, sente-se. Diz-se, também, que são as paixões mais desafiantes e difíceis de concretizar que são as mais intensas e compensadoras. Mas não é preciso ser tão difícil...

Nota: Na passada semana escrevi sobre algumas situações que ocorreram no campeonato inglês, nomeadamente as agressões ocorridas no jogo Manchester United-Bournemouth que o árbitro não sancionou. Este jogo aconteceu num sábado e, na quarta-feira seguinte, saíram os castigos: Tyrone Mings, por ter pisado a cabeça de Ibrahimovic, foi penalizado pela Federação Inglesa com cinco jogos de castigo e o atacante do Manchester United, que deu uma cotovelada no jogador do Bournemouth, foi suspenso por três. A organização do futebol inglês é mesmo demasiado previsível e aborrecida comparativamente com a nossa.     

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