Vendas porta a porta geram quatro mil queixas por ano

Associação de defesa do consumidor pede maior controlo das vendas de serviços essenciais ao domicílio, que muitas vezes configuram práticas comerciais desleais.

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O maior número de queixas diz respeito a pacotes de serviços, que incluem televisão, Internet e telefone Bruno Lisita

A venda de serviços ou produtos porta a porta configura, muitas vezes, práticas comerciais desleais, nomeadamente pela falta de informação rigorosa sobre o que está a ser contratado, o custo total ou o período de fidelização que implica. Por essa razão, a associação de defesa do consumidor Deco acaba de lançar uma campanha contra este tipo de vendas e pede maior controlo deste tipo de vendas.

"Vendas à minha porta, não!" é o mote da campanha da Deco, que diz receber, “todos anos, cerca de  quatro  mil reclamações sobre vendas porta a porta, com prejuízos económicos para os consumidores”. Antecipando o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, que se assinala esta quarta-feira, 15 de Março, a associação alerta para o facto de o consumidor que cai na “armadilha” das vendas ao domicílio ficar “amarrado a um serviço que não pediu, não encomendou e que não lhe serve”.

O problema é que são muitas vezes "os consumidores mais vulneráveis" que abrem a porta e este tipo de vendas, e que "não têm sequer capacidade para reclamar e pedir apoio", defende Ana Tapadinha, directora-geral da Deco, razão porque reivindicam  “um maior controlo destas vendas associadas a práticas desleais”. Num vídeo feito no âmbito desta campanha, a associação destaca a necessidade de pedir toda a informação sobre os produtos e lembra a possibilidade dos contratos poderem ser anulados no prazo de 14 dias.

O problema de assinar sem ler

A liberalização do mercado energético e a mudança das regras nos contratos de fidelização das telecomunicações fizeram das vendas porta-a-porta uma arena onde se joga com o que se tem. No caso das telecomunicações, o fim das fidelizações não veio facilitar a vida aos consumidores que, apesar de agora poderem celebrar contratos de um ano, seis meses ou sem prazo, têm de pagar mais por isso, pelo que os contratos de dois anos de fidelização continuam a ser os mais viáveis.

“A lei pretendia aliviar um pouco a parte da fidelização, mas assistimos às empresas de telecomunicações a mudar regras de forma a penalizar o cliente, da mesma forma que penalizavam antes”, explica ao PÚBLICO Luís Pisco, jurista da Deco.

No que toca à venda de serviços fora do estabelecimento comercial, há aspectos a que deve estar atento. A lei está do lado dos consumidores – mas é preciso conhecê-la. A regra de ouro que todos deveriam saber é que não se assina nada sem ler primeiro. “Os consumidores ainda assinam muita coisa sem ler”, observa Luís Pisco. Na prática, concordam com o que lá está. “Por muitas promessas que sejam feitas por parte do vendedor quando vai às casas, se não vierem escritas no contrato elas não existem perante a lei”, frisa o jurista. “Às vezes o problema não é a falta de lei – porque a legislação existe – mas sim a sua aplicação”.

A pressão é tanta que, por vezes, leva estes trabalhadores a fazerem promessas que não passam disso – e é do que os clientes mais se queixam, diz Luís Pisco. “Para qualquer empresa, o que não está no contrato não tem validade, ou seja, o que lhe é dito verbalmente se não estiver escrito tem efeito nulo”, explica o jurista, dando conta de queixas que chegam à Deco de quem afirma terem-lhes sido feitas promessas que não constam no serviço de que usufrui.

Quando o consumidor se queixa, dirige-se directamente à operadora e não à empresa de trabalho temporário que lhe presta o serviço, visto que muitas vezes nem faz ideia dessa “escada de responsabilidades a vários níveis”, como lhe chama o jurista da Deco. “Pode acontecer que algumas das práticas não sejam do conhecimento das marcas que ordenam essas mesmas vendas, mas há uma responsabilidade por parte da empresa-mãe”.

A Direcção-Geral do Consumidor (DGC) refere que o sector das telecomunicações é o que regista mais reclamações. O maior número de queixas diz respeito a pacotes de serviços, logo seguidos dos serviços de telefone móvel, “cujos motivos mais frequentes têm que ver com a fidelização e com a rescisão de contrato”, refere fonte oficial da DGC, numa nota ao PÚBLICO.

No caso de eventuais falhas cometidas pelos comerciais e consequentes reclamações, ao PÚBLICO a Meo fez saber que “assume invariavelmente a devida responsabilidade, nos casos em que o cliente tem confirmadamente razão”. A Nowo não se pronunciou sobre o tema, a NOS e a Vodafone não quiseram prestar quaisquer declarações.

A EDP informa, também por escrito, que em casos desses “responde directamente  ao cliente sempre com a preocupação de salvaguardar  os seus interesses”. A Goldenergy, a Galp e a Endesa dão respostas semelhantes ao PÚBLICO tendo a satisfação do cliente como objectivo principal.

“O problema maior é quando o consumidor confronta as marcas e diz: ‘o vosso vendedor prometeu-me que seria assim e não está a acontecer’, mas se não está no contrato a marca tem logo um mecanismo de defesa a partir daí”, conclui Luís Pisco. O que acaba por se verificar nestas situações é que a palavra do cliente joga contra um contrato. Um contrato assinado.

A DGC sublinha que os contratos celebrados ao domicílio têm de ser sempre efectuados por escrito. Ressalva ainda que “os consumidores gozam do direito de ‘arrependimento’, que pode ser exercido sem qualquer encargo e dentro do prazo de 14 dias seguidos a contar do dia da recepção do bem ou, no caso dos serviços, a partir do dia da celebração do contrato”. “O consumidor deve ter muito cuidado e resolver o assunto dentro desse prazo”, reforça Luís Pisco.

O jurista da Deco alerta os consumidores que assinam novos contratos sem rescindir os que têm em vigor. “Isto acontece porque os vendedores dizem que a marca vai ela mesma rescindir o contrato que o cliente tem vigente, de forma a tranquilizar a pessoa e a fazê-la assinar novo contrato”, conta. “O que sucede é que temos casos em que há consumidores que ficam com dois contratos do mesmo tipo de serviço na mesma casa devido a esta espécie de burla”, diz.

Luís Pisco reafirma que o consumidor tem de exigir sempre uma cópia do contrato, que amiúde não possui, e que isso constitui uma prática comercial desleal. “As pessoas são abordadas quer por telefone quer em casa, é-lhes vendido um pacote de serviços e os contratos são firmados assim, sem qualquer prova. Isto não pode acontecer”, alerta o jurista.

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