O dilema dos desalojados de Fukushima: arriscar o regresso ou viver na pobreza?

Apesar do receio provocado pelos níveis de radiação, 27 mil pessoas foram avisadas de que deveriam regressar às casas que abandonaram, sob risco de perderem os seus subsídios de habitação. O Governo japonês tem sido acusado de ignorar os efeitos a longo termo da radiação na saúde das pessoas.

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LUSA/FRANCK ROBICHON

Milhares de pessoas que saíram da área afectada pelo desastre nuclear de Daiichi, há seis anos, estão a ser avisadas que deverão voltar às suas casas, sob pena de perderem os subsídios de habitação. Apesar de o Governo japonês afirmar que as zonas se encontram descontaminadas, os dealojados continuam receosos dos níveis de radiação. De resto, e no início de Fevereiro, foi noticiado que uma parte da central nuclear tinha atingido níveis recorde de radiação.

O diário britâncio The Guardian indica que o pedido do Governo japonês afectará cerca de 27 mil de um total 160 mil pessoas atingidas pela catástrofe, que não se encontravam a viver dentro da zona de evacuação obrigatória que foi definida depois de Fukushima se ter tornado no pior acidente nuclear da história nipónica. A 11 de Março de 2011, o nordeste do Japão foi atingido por um sismo de magnitude 9.0 na escala de Richter, o que gerou um tsunami e a maior crise nuclear mundial após Chernobil, na Ucrânia soviética, em 1986.

No total, morreram quase 19 mil pessoas no sismo seguido de tsunami, ainda que nenhuma morte estivesse directamente relacionada com o desastre nuclear. Ao todo, cerca de 160 mil pessoas foram afastadas da zona em redor da central e a maioria não regressou por causa dos elevados índices de radiação. 

Noriko Matsumoto é uma das pessoas que deixou a região de forma “voluntária” e que agora se encontra perante uma escolha difícil: voltar à casa que não considera segura ou viver com dificuldades financeiras. Se não regressar à sua casa na cidade de Koriyama, ficará sem subsídio de habitação até ao final do mês de Março.

“Muitos dos outros desalojados que conheço estão na mesma posição”, afirmou Matsumoto, citada pelo Guardian. Das 160 mil pessoas que fugiram das zonas periféricas da central nuclear, 80 mil ainda se encontravam desalojadas em Fevereiro deste ano. “Teriam de enfrentar elevados níveis de radiação se regressassem, mas o Governo está a forçá-los a regressar ao retirar a ajuda à habitação – isto é equivalente a um crime”, declara Noriko Matsumoto.

Retratos dentro de uma casa abandonada em Namie. Os habitantes podem visitar as suas antigas casas, mas não pernoitar nelas
Um monge budista usa um contador Geiger, instrumento utilizado para medir radiações, enquanto lidera o funeral de Yotsuno Kanno, que morreu dentro da zona de exclusão da cidade evacuada Minamitsushima
Quatro bombeiros prestam homenagem às vítimas do tsunami, enquanto visitam a zona costeira de Namie
Perto da cidade Namie, a praia está repleta de destroços deixados pelo tsunami
Esta máquina foi trazida pelo tsunami para um campo de cultivo de arroz, agora abandonado, na zona costeira de Minamisoma
Praticamente todas as praias em Fukushima permanecem encerradas desde Março de 2011. Em Julho deste ano, a companhia que gere a central nuclear de Fukushima admitiu que centenas de toneladas de água subterrânea contaminada pela radiação podem estar a fluir para o mar todos os dias
Redes de electricidade vistas da estrada, que pertence à rota nº 6 perto da cidade de Okuma
Um segurança bloqueia a estrada da rota nº 6 em direcção à zona de exclusão, próxima da central nuclear
Os antigos residentes das cidades que foram evacuadas podem visitar as suas casas uma vez por mês com autorizações especiais. Este oficial prepara-se para medir os níveis de radiação das pessoas e veículos que abandonam a visita
Um segurança bloqueia a estrada perto da Tomioka, cidade que se encontra dentro da zona evacuada após o acidente da central nuclear
Os candeeiros de rua iluminam as ruas de Namie
Naoto Matsumara, de 53 anos, nunca deixou a cidade de Tomioka, apesar das ordens do governo. Continua a viver na zona evacuada com as suas 50 vacas, dois gatos, um cão, um pónei e duas avestruzes
Uma grade bloqueia a Estrada para impedir a passagem de pessoas numa zona altamente contaminada de Namie
Na costa perto de Minamisoma, foram muitos os objectos que acabaram por ser lançados para outros locais devido à força do tsunami de 2011
Os ex-residentes de Namie, cidade evacuada após o desastre nuclear de 2011, podem visitar a cidade uma vez por mês, desde que tenham uma autorização especial. Alguns aproveitam para visitar alguns dos parentes ai sepultados
A vegetação cresce e envolve uma casa destruída após o terramoto de Namie
Uma densa vegetação é vista através do interior de uma casa abandonada na zona de Namie, apenas a seis quilómetros da central nuclear de Fukushima
Um relógio partido, teias de aranhas e outros detritos no interior de uma escola primária de Namie
Um relógio marca as horas do dia 11 de Março de 2011 numa cozinha de uma casa afectada pelo terramoto. Um total de 160 mil pessoas foram retiradas das suas casas após o desastre de Fukushima
Um dia após o terramoto, o jornal Minpo tinha como destaque o título “M (de magnitude) 8.8, a maior do país”. Estas são cópias acumuladas dentro de um escritório em Namie.
Um gato morto entre os destroços de uma casa evacuada em Futaba
Painel de controlo de endereços públicos dentro de uma escola primária danificada pelo tsunami na área costeira de Namie
Bolas num ginásio danificado numa escola de Namie
Mensagens de apoio às vítimas do tsunami na sala de aulas de ciências de uma escola de Namie
Sandálias num centro cívico de Namie
Bicicletas abandonadas em Futaba
Barreiras anti-tsunami na costa de Iwaki
Surfistas na praia de Toyoma. Quase todas as praias de perfeitura de Fukushima permanecem fechadas
Um turista de Hokaido tira fotografias da destruição em Namie
Um pequeno memorial erguido em memória das vítimas do tsunami em Namie
Funcionárias de um hotel dão as boas-vindas por detrás de um folheto que dá conta dos níveis de radiação
Medições dos níveis de radiação em Iitate
Mulher caminha em Futaba por baixo de um anúncio que diz "Energia Nuclear - A energia para um futuro melhor"
Restaurante abandonado em Namie
Sacos com solo contaminado num campo de ténis abandonado, em Naraha
A vegetação tomou conta de muitos equipamentos e instalações públicas
Kasumi Saino, de Tomioka, entre as casas pré-fabricadas de Iwaki
Pescadores do "Kiyomaru" o único barco autorizado a pescar para que seja possível fazer testes de contaminação radioactiva
Mercado de peixe em Iwaki. Antes do acidente nuclear mais de metade do peixe era fornecido pelo pescadores locais. Agora, nenhum dos barcos da perfeitura de Fukushima pode vender peixe
Este peixe servirá para as autoridades fazerem testes de contaminação radioactiva
Nível de radiação num centro cívico abandonado em Namie, que fica a cerca seis quilómetros de central nuclear de Daiichi
Um trabalhor da TEPCO desbrava mato em Namie
Yotsuno Kanno usa pauzinhos de madeira para colocar os restos mortais de uma familiar no jazigo da família, na cidade evacuada de Namie
Noboru e Nagako Harada viajam todos os dias para tratar de cerca de 30 vacas em Namie. Os animais não podem ser vendidos tendo em conta que foram sujeitos a altos índices de radiação nuclear
Keigo Sakamoto, 58 anos, com Atom, um dos seus 21 cães. Sakamoto mantém cerca de 500 animais na zona de exclusão, perto de Naraha
Hiroshi Maskura, de Tomioka, dentro de uma casa pré-fabricada no centro de acolhimento onde passou a viver, em Iwaki, perfeitura de Fukushima
Keiko Sato, 62 anos, procura pertences na sua antiga casa
Zenjuro e Satoko Nagaoka retiram um rato morto da sua loja de doces em Namie. Os mais de 20 mil deslocados de Namie podem visitar as suas antigas casas uma vez por mês
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Maria Sakamoto examinada à tiróide no Iwaki Radiation Citizen Centre NPO, uma organização sem fins lucrativos que faz exames à tiróide a fim de diagnosticar sinais de cancro
Para se visitar o cemitério de Namie é obrigatório usar máscara
Barreiras anti-tsunami na costa de Iwaki
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Retratos dentro de uma casa abandonada em Namie. Os habitantes podem visitar as suas antigas casas, mas não pernoitar nelas

Na altura do acidente nuclear, Matsumoto vivia em Koriyama com o seu marido e as suas duas filhas. A casa fica a 70 quilómetros a oeste da instalação nuclear, já fora do diâmetro de evacuação obrigatória.

Nos primeiros três meses após o incidente, Noriko Matsumoto permaneceu na sua casa. Foi na altura em que a sua filha mais nova – na altura com 12 anos – começou a sangrar do nariz e a ter dores de estômago e diarreia que decidiu deixar o seu marido para trás e levar as duas crianças consigo para a prefeitura de Kanagawa, que fica 240 quilómetros a sul de Fukushima.

“O Governo está a menorizar os efeitos da exposição à radiação”, diz Matsumoto, que acredita que as pessoas estão a ser “deixadas ao cuidado de si mesmas”. Noriko, sente-se abandonada pelo próprio país.

“O Governo tem a responsabilidade de proteger os direitos humanos dos desalojados” diz Kazuko Ito, advogado e secretário-geral da organização não-governamental Human Rights Now, afirmando que o Executivo tem, por outro lado, ignorado os perigos associados à exposição a radiação a longo-prazo.

“Aparentemente, a série de medidas tomadas pelo Governo japonês tem sido insuficiente para assegurar os direitos económicos, sociais e culturais das pessoas afectadas”, lê-se num comunicado da organização. Às pessoas, é dada a possibilidade de permanecerem nas casas que ocupam depois do acidente de 2011, desde que paguem renda. No entanto, a organização considera que a maior parte dos desalojados não consegue suportar este custo, até porque muitos continuam a pagar o valor do empréstimo das casas onde viviam anteriormente.

“A culpa desta situação é do acidente nuclear, mas parece que inverteram a situação de forma a parecer que a culpa é nossa. Até parece que estamos a ser egoístas”, diz Noriko. De acordo com as autoridades locais, depois de o subsídio ser retirado, algumas pessoas continuarão a receber quantias reduzidas de dinheiro.

Níveis de radiação acima do que é aconselhado

Num comunicado publicado pela Humans Rights Now a 14 de Fevereiro, a organização alerta para o facto de as pessoas estarem a ser obrigadas a voltar para zonas em que a radiação continua a ser vinte vezes superior ao limite definido pela Comissão Internacional de Protecção Radiológica (CIPR).

Uma das maiores preocupações causadas pela supressão das ordens de evacuação são, precisamente, os estudos que indicam que estas áreas continuam a não estar suficientemente descontaminadas ao ponto de permitirem habitação a longo termo. A organização afirma ainda que não tem havido uma preocupação por parte do Governo em termos de saúde das pessoas desalojadas.

As zonas só devem ser consideradas habitáveis caso a radiação atmosférica seja inferior a um milisievert (milésimo de sievert) por ano, o tempo de exposição máximo recomendado pela Comissão Internacional de Protecção Radiológica (CIPR). Ainda que seja este o objectivo do Governo, os locais para onde as pessoas deverão regressar até ao final do mês têm níveis de radiação na ordem dos 20 milisieverts por ano. O sievert é a unidade de medida do Sistema Internacional utilizada para medir a quantidade de radiação ionizante absorvida pelos organismos. Uma única dose de um sievert por hora é suficiente para causar náusea e uma dose de dez sieverts tornar-se-ia fatal dentro de semanas.

As autoridades japonesas garantem que alguns locais já se encontram descontaminados. Noriko Matsumoto diz que a descontaminação pode ter sido eficaz nas zonas habitacionais mas acredita que as crianças continuam em risco em áreas em que o solo continue contaminado, como em parques ou florestas.

Para além da cidade onde vivia Noriko Matsumoto, também voltarão às suas casas os habitantes de quatro outras localidades perto de Fukushima. Interditas continuam as zonas mais perto da central nuclear, em que a radiação atmosférica ainda atinge valores superiores a 50 milisieverts por ano. 

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