Juiz Rui Rangel afastado de decisões sobre processo que envolve Sócrates

Supremo Tribunal de Justiça diz que após magistrado opinar publicamente sobre o assunto ficou afectada, “de forma grave e séria, a confiança pública na administração da justiça e a imparcialidade”.

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Rui Rangel já participou na decisão de dois recursos judiciais de José Sócrates Enric Vives-Rubio

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu esta quinta-feira que o juiz Rui Rangel está impedido de continuar a intervir no processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, a chamada Operação Marquês.

A deliberação do Supremo surge após um pedido nesse sentido por parte do Ministério Público, que entende existir "existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade” do magistrado do Tribunal da Relação de Lisboa, a quem já coube a apreciação de dois recursos judiciais de José Sócrates.

O facto de o juiz desembargador se ter pronunciado publicamente sobre o caso num debate televisivo na TVI, em 2015, em tom crítico, acusando a justiça portuguesa de ter reagido de forma vingativa relativamente ao facto de José Sócrates não aceitar, na altura, sair da cadeia de Évora para ir para casa com pulseira electrónica pesou na decisão de afastamento do juiz.

Jantar entre Sócrates e Rangel

Nas suas declarações estava implícita a reprovação de decisões tomadas pelo juiz Carlos Alexandre no âmbito deste processo, refere o Ministério Público no seu pedido de afastamento:"Mesmo depois de se pronunciar publicamente sobre um processo em curso e de pôr em causa a objectividade e a adequação legal da decisão do juiz de instrução o senhor juiz desembargador não se inibiu, passados apenas três meses, de intervir no referido processo e de decidir um recurso" apresentado pelo antigo govenante socialista. As objecções dos procuradores não se ficam por aqui: referem o facto de Rui Rangel e Sócrates terem marcado um jantar em Setembro de 2014, imediatamente antes de o segundo ser preso, o que significa que havia um relacionamento pessoal entre ambos que ultrapassava o mero conhecimento social.

O Supremo Tribunal de Justiça vem agora dar razão aos procuradores, ao concluir existir, de facto, "um risco real do não reconhecimento público da imparcialidade" de Rui Rangel. "Encontra-se afectada, de forma grave e séria, objectivamente, a confiança pública na administração da justiça e, em particular, a imparcialidade”, escrevem os conselheiros do Supremo. “É de admitir, a partir do senso e da experiência comuns, que qualquer cidadão de formação média da comunidade possa contestar a imparcialidade” do magistrado, prosseguem, invocando a máxima segundo a qual à mulher de César não basta ser séria, sendo também necessário parecê-lo.

Para o Supremo, os comentários tecidos no debate da TVI “vulneram, de forma séria e grave, a imparcialidade do julgador, a neutralidade e a indiferença” que são obrigatórias no desempenho de qualquer magistrado judicial. Ao longo da emissão do programa, que era dedicado à recusa da pulseira electrónica pelo ex-primeiro-ministro, o magistrado foi sempre dizendo que não se estava a pronunciar sobre nenhum caso concreto. Mas algumas das suas afirmações pareciam querer significar o contrário, como quando questionou o facto de “uma pessoa estar tanto tempo à espera para que seja deduzida uma acusação”, ou quando aludiu a determinada "situação em concreto."

Supremo já tinha confirmado multa ao juiz

Já no mês passado o Supremo Tribunal de Justiça tinha confirmado uma multa de 15 dias de salário aplicada ao magistrado pelo Conselho Superior da Magistratura precisamente pelo mesmo motivo: os comentários de Rui Rangel naquele programa televisivo. 

O magistrado - que está a ser investigado no âmbito da Operação Rota do Atlântico por suspeitas de receber dinheiro do empresário do futebol José Veiga, constituído arguido devido a indícios de corrupção alegadamente praticada sobre membros do governo da República do Congo - diz-se vítima de um "assassínio de carácter" desde o momento em que tomou, juntamente com outros colegas da Relação, uma decisão favorável a um recurso de Sócrates, em Setembro de 2015. O pedido do seu afastamento "funda-se no facto de o Ministério Público não ter ficado agradado" com esta decisão, declara. Acusando o Ministério Público de agir a reboque de alguns órgãos de comunicação social, que o "pressionaram para que pedisse escusa" deste processo, Rangel nega ter alguma vez sido amigo de José Sócrates. Assegura que apenas se encontrou com ele duas vezes, uma quando o ex-primeiro-ministro foi ao funeral do seu irmão, Emídio Rangel, e outra quando se encontrou por acaso com ele no aeroporto de Newark, em Nova Iorque, e diz suspeitar que o seu telefone tem estado sob escuta ilegal. 

Não sendo vulgar, o afastamento compulsivo de um magistrado judicial relativamente a determinado processo também não é inédito, explica o juiz Mouraz Lopes, que escreveu um livro sobre a imparcialidade dos juízes no processo penal. Já o facto de esse pedido vir do Ministério Público será mais raro. 

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