Tristão e Isolda bem perto de nós

Uma nova produção da ópera de Wagner estreia-se esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém, e promete supreender pela íntima intensidade que propõe. Para o encenador Charles Edwards, este drama pode ser um antídoto para as nossas vidas aceleradas.

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Há uma razão importante para esta nova produção de Tristão e Isolda, de Wagner, que tem esta quinta-feira a sua estreia no Centro Cultural de Belém (CCB). A razão é Elisabete Matos, pensada desde o início para ser Isolda, quando o director artístico do Teatro Nacional de São Carlos, Patrick Dickie, teve a ideia de voltar a encenar em Lisboa um dos seus mais amados dramas... sobre o amor.

Obra marcante para a história da ópera, Tristão e Isolda baseia-se numa lenda que vem (pelo menos) da Idade Média. A ópera de Wagner foi terminada em 1859 e estreada alguns anos depois, em 1865, pelo maestro Hans von Bülow. Mas esta nova produção quer puxá-la para o presente, bem para a frente. Para o encenador Charles Edwards, é preciso aproximar Tristão e Isolda do público. “Aproximar” literalmente: “Fazendo-o à frente no palco, puxando o drama para o proscénio. Não queria fazer um drama sonhador e escapista. À frente ouve-se melhor, e o drama fala connosco”, diz-nos o encenador inglês. “Não se pode estar a quilómetros do público. E é mais forte assim. É preciso perceber cada palavra cantada. Não gosto quando não se ouvem os cantores. É preciso vê-los bem, ouvi-los bem."

Nesse sentido, o encenador assume a proximidade com a ideia da tetralogia do Anel dos Nibelungos do encenador Graham Vick, “em que podemos estar a dois metros de Brünnhilde": "Isso é intensidade e drama.”

A luz e a música

Fomos falar com Charles Edwards num intervalo de um ensaio no CCB, onde esta produção se estreia com duas apresentações apenas (esta quinta-feira e no próximo domingo). Edwards acaba de sair de mais um ensaio de luzes, e é exactamente à luz que chegamos na nossa conversa, quando tentamos entender as ideias centrais deste espectáculo: “Tristão e Isolda é mesmo uma obra sobre a luz!”, diz. “É preciso um bom design de luz. Giuseppe Di Iorio e eu fizemos uma 'dramaturgia da luz' que é muito importante – e ele é muito bom nisso.” O encenador usa expressões como “puxar o contraste para dar força ao drama”. Talvez não seja indiferente a sua formação em design, antes de ter iniciado uma carreira como encenador de ópera.

Se a luz é fundamental, então e a música? “Os movimentos dos cantores e a própria geometria do espaço são motivados pela música”, diz. “Procurei uma linguagem gestual que reflectisse a música. O texto é o veículo para a música. E o drama encenado tem de ser motivado pela música. É ela que faz os gestos acontecerem a uma determinada velocidade. E as velocidades mudam ao longo da obra.” Para além disso “não é tudo rápido como nas nossas vidas, na era dos iPhones e das 'multi-funções'": "É uma só coisa, um só trabalho, um drama que leva tempo a contar.”

Nessa perspectiva, Charles Edwards vê Tristão e Isolda como “um antídoto para as nossas vidas 'expresso'". "Se a tensão for a certa, a longa duração da obra nem se percebe. Wagner era um feiticeiro das emoções, mas era ainda mais um feiticeiro do tempo”, argumenta. O encenador considera que se trata de uma obra “muito exigente para os cantores e para a orquestra, que exige muita concentração". Mas a direcção musical, acrescenta logo a seguir, está a cargo de "um dos maiores maestros de ópera do mundo, com um fantástico sentido do teatro". Graeme Jenkins tem de facto uma longa experiência operática: foi director musical da Glyndebourne Touring Opera (1986-91) e da Dallas Opera (1994-2013), e maestro principal na Ópera de Colónia (1997-2002). Este Tristão e Isolda é a sua 185.ª produção operática.

As vozes e o gesto

Um dos aspectos musicais que Edwards considera fundamental é “saber equilibrar as vozes”. E a encenação tem algo a dizer sobre isso: “As vozes são diferentes, não têm todas a mesma dimensão. E a dimensão também tem a ver com a velocidade. É preciso calibrar as vozes para não haver discrepâncias.” O encenador gosta de pensar que a ópera “é uma peça de conjunto, e não um veículo de estrelas": "É preciso tempo para trabalhar a velocidade do gesto, mesmo para cantores que conhecem bem Wagner...”. É o caso de Elisabete Matos, que já foi Isolda noutras ocasiões e noutros lugares, como Oviedo e Toulouse, e do tenor americano Erin Caves, que será aqui Tristão mas tem também várias experiências na ópera wagneriana.

O encenador não esconde o entusiasmo quando continuamos a conversa sobre a riqueza musical e dramática de Tristão e Isolda: “A peça é demasiado grande para dizer: 'É tudo sobre isto, ou tudo sobre aquilo'. É preciso contar a história da peça – como uma peça de teatro de câmara –, trabalhar a forma de dizer as palavras e pô-las no palco. Mas ao mesmo tempo sentimos o vasto leque de possibilidades que ela abre à interpretação teatral. O que me diz a mim? O que pode dizer ao público, às pessoas e aos cantores que não têm o alemão como primeira língua?”

Narração, debate, catarse

Não sendo Tristão e Isolda um drama de acção – "Tem longos diálogos, cuidadosamente estruturados" –, interessou mais ao encenador "a ideia de instalação, de happening, que permite explorar ideias filosóficas” e que já está na ousadia de Wagner. Inspirado pelo amor de Mathilde Wesendonck e pela filosofia de Arthur Schopenhauer, e baseado na lenda medieval narrada por Gottfried von Strassburg, compôs a partitura de Tristão e Isolda entre 1857 e 1859, mas a sua estreia em Munique esperou até 1865 pois, até lá, a Ópera da Corte de Viena considerou-a impossível de ser representada.“Tristão e Isolda não é convencional. Há uma história, mas ela anda devagar e está sempre a renarrar, a voltar a dizer. Não pára de dizer... E o nosso trabalho é captar isso, através dos adereços, do posicionamento, da acção dos cantores, dos gestos.” Para Charles Edwards, o primeiro acto é um acto de narração, expositivo, o segundo é um debate muito mais mental e filosófico, enquanto o terceiro é um verdadeiro “delírio”, um momento de catarse. 

Ainda antes de lhe perguntarmos por isso, o encenador lança-se nas reflexões que este drama romântico propõe: “A ideia por trás da peça é a de que a morte não é o fim e não se deve ter medo. Nem sequer é uma tragédia”, diz. “É um drama, sim, que contém uma ideia sobre o amor, na leitura wagneriana do mito: que o amor só existe quando já não está ligado ao dia-a-dia. Na visão de Wagner, o que importa é o amor puro. E amor puro só na morte. É um libreto denso, maravilhoso e complicado. É preciso ler várias vezes até perceber o que ele quer mesmo dizer. Espero que não se percam com as legendas e tentem ver o espectáculo.”

Um espectáculo de luz e sombra, com uma intensidade que vem da música, em que é preciso não apenas clarificar o enredo, mas, nas palavras do encenador, “puxar os contrastes”. Tudo para chegar mais perto, para trazer para nós o antigo mito de Tristão e Isolda na visão de Wagner. Mais perto, mais à frente: “Eu quero que o drama venha para o pé das pessoas.”

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