Cuidado com o que se diz

Parece uma adivinha: o que une Bruno de Carvalho, o juiz Carlos Alexandre e Teodora Cardoso?

Parece uma adivinha: o que une Bruno de Carvalho, o juiz Carlos Alexandre e Teodora Cardoso? A resposta é esta: um falatório. Mas podia ser esta também: uma guerra de claques.

Bruno de Carvalho, que hoje joga a sua reeleição à frente do Sporting, tem um registo tão particular que acabou de ser comparado por um jornal britânico a Donald Trump (veja bem onde chegou a fama). Mas quando falo de Bruno de Carvalho, podia falar de Pinto da Costa ou de Luís Filipe Vieira. No futebol, os presidentes vivem para inflamar as claques — sobretudo quando os resultados são fracos. Ora vejam lá se não foi sempre assim — lembram-se de ouvir Pinto da Costa dizer mal de árbitros quando o Porto ganha campeonatos?

Na Justiça, o juiz Carlos Alexandre costuma ser diferente: silencioso, distante. Mas há uns meses decidiu dar uma entrevista à SIC. E saiu-lhe uma frase de comentador: “Não tenho amigos ricos. Azar do juiz, numa investigação sobre corrupção em Angola veio a saber-se que tinha pedido emprestados 10 mil euros a um amigo, que acabou de ser acusado de corrupção. A notícia saiu e as claques apareceram: umas criticando a notícia, porque era uma perseguição ao juiz; outras em ataque ao mesmo, acusando a sua fragilidade. E nós sabemos que a Carlos Alexandre não faltam fãs nem inimigos.

Na política, já se sabe, a conversa é a mesma. Ouviram Teodora Cardoso, a presidente do Conselho de Finanças Públicas, a falar do “milagre do défice”? A verdade é que... não, não ouviram. Teodora riu-se de uma pergunta bem-humorada, explicando depois por que razão o défice baixou, sim, mas de uma forma que não considera sustentável. E o que fizeram as claques? Umas defenderam a economista, outras arrasaram o milagre (sendo que, nesta claque, apareceram uns nomes improváveis, é verdade). Coitada da Teodora, levou por se meter com a política.

Nos três mundos, as claques reagem, porque é essa a natureza delas: ouvem o líder, seguem o que ele diz. As claques, por natureza, não são racionais — são instintivas. E basta-lhes uma frase para manter a paixão, não precisam de um bom argumento.

E é neste debate que apareceram os árbitros a sugerir que se silencie dirigentes de clubes e comentadores alinhados — julgando que se resolve os problemas da democracia com uma rolha. Não, não se resolve o problema das claques pondo fim aos argumentos. O que ajudava a resolver esses perigos era se os líderes tivessem mais cuidado com o que dizem. Que percebessem que cada palavra sua fica registada para a posteridade — e será usada contra eles. Que, para além das claques, muitos outros os estão a ouvir. Os que perceberem isso podem ter hoje uma claque menor — mas aposto que sobreviverão mais tempo.

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