Moçambique, segundo round: mais 60 dias à procura da paz

Sábado termina mais um cessar-fogo, que acaba de ser prolongado. Frelimo e Renamo falam em “paz efectiva”. As duas partes querem espaço para experimentar um novo modelo de negociações.

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Patrulha junto ao parque natural da Gorongosa em 2013 Grant Lee Neuenburg/Reuters

Moçambique ensaia nas próximas horas um novo modelo de negociações para a paz, desta vez com menos pessoas sentadas à mesa, menos estrangeiros e mais contactos directos entre os líderes da Frelimo e da Renamo.

Tal como na ronda de negociações anterior, que durou seis meses e terminou em Dezembro do ano passado, as expectativas são grandes. Não desapareceram as reservas crónicas quanto à capacidade de os dois partidos chegarem a um acordo duradouro, mas o novo modelo é considerado por muitos dos envolvidos e dos observadores como um possível ponto de viragem.

O cessar-fogo declarado no Natal termina este sábado à noite. António Muchanga, porta-voz da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), garantiu num comunicado escrito que as forças do seu partido vão manter as tréguas a partir de 5 de Março. E Afonso Dhlakama, o líder da Renamo, anunciou esta sexta-feira de manhã o prolongamento do cessar-fogo por mais 60 dias, como na véspera antecipara ao PÚBLICO António Chichone, representante da Renamo em Portugal.

Na segunda, o Presidente Filipe Nyusi voltou a falar ao telefone com Dhlakama e a seguir sublinhou o facto de, nesta nova ronda de negociações, serem “moçambicanos que estão a discutir sobre problemas de Moçambique”, numa perspectiva negociada e sem ultimatos. Nos últimos meses, à mesa das negociações estavam dezenas de estrangeiros, entre os quais o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, e o coordenador da equipa de mediação era o italiano Mario Raffaeli, indicado pela União Europeia.

A Renamo está a usar um tom semelhante. “Estamos optimistas e acreditamos que tudo tem um fim”, disse Chichone numa entrevista por telefone. Como exemplo deste novo desanuviamento político, o representante da Renamo para Portugal e para a Europa sublinha que, desde há duas ou três semanas, “os delegados da Renamo voltaram a poder fazer trabalho político” e estão a “movimentar-se livremente” em todo o país. António Chichone não se refere aos deputados na Assembleia da República (cerca de 90) nem aos membros das assembleias distritais e municipais (cerca de 300), mas aos delegados do partido que, nas suas palavras, “estavam interditos de exercer a sua função política — durante meses, ninguém podia defender a Renamo publicamente, as pessoas eram mortas. Em 2016, desapareceram mais de 100 membros da Renamo. Isso hoje já não está a acontecer.”

Em on e em off, aos microfones da Assembleia da República ou nos bastidores, muitos especialistas que conhecem de perto a política moçambicana demonstram uma razoável esperança neste início do segundo round das negociações, incluindo diplomatas que acompanham o processo de paz há largos anos. Veronica Macamo, da Frelimo e presidente da Assembleia da República, disse num debate parlamentar esta semana que gostaria muito de ver debatido na Assembleia um projecto de lei sobre a descentralização — e ainda durante a actual legislatura. No mesmo dia, Ivone Soares, chefe da bancada parlamentar da Renamo e sobrinha de Dhlakama, disse que acredita que o actual cessar-fogo é "definitivo”. A expressão “paz efectiva e definitiva” é a mais usada nos últimos dias em todos os media moçambicanos.

O novo modelo

Não é certo quando exactamente será dado o pontapé de partida formal para esta “segunda fase do diálogo político”, como lhe chamam os políticos moçambicanos.

Neste novo modelo, há dois grupos de trabalho, um para a descentralização, outro para assuntos militares. Esses são — ainda — os dois grandes dossiers do processo de paz, os mesmos de há 30 anos e os mesmos já negociados para os acordos de paz assinados em Roma em 1992.

Apesar das centenas de horas à mesa das negociações, continua por resolver a integração dos homens da Renamo na polícia de segurança e republicana, nas Forças Armadas e no SISE, os serviços de segurança. Do mesmo modo que continua por resolver o problema da chamada "descentralização", de modo a dar resposta à exigência da Renamo em assumir o poder local em seis províncias.

Cada grupo de trabalho tem quatro membros, dois nomeados pelo Governo, dois pela Renamo. Separadamente, cada grupo vai discutir e negociar com um especialista internacional. Para o grupo da decentralização, Nyusi nomeou dois académicos e juristas, Albano Macie e Eduardo Chiziane, autores de livros sobre lei administrativa e procedimentos parlamentares; e Dhlakama nomeou Saimone Macuiana e Maria Joaquina, ex-membros Comissão Nacional de Eleições.

Para o grupo militar, Nyusi nomeou dois militares na reforma e veteranos da guerra colonial, Ismael Mussa Mangueira e Armando Panguene, tendo o último sido embaixador de Moçambique em Portugal, Reino Unido e EUA; e Dhlakama nomeou o deputado André Magibire e Leovilgildo Buanancasso, membro do Conselho de Estado.

Esta semana, Nyusi anunciou o que parece ser a última peça deste novo modelo e chamou-lhe "grupo de contacto": convidou sete embaixadores acreditados em Maputo e o representante da União Europeia em Moçambique para integrarem o processo das negociações. Os embaixadores convidados são da Suíça e dos EUA (Adrian Hadorn e Dean Pittman, que co-presidem), da China, da Noruega, do Botswana, do Reino Unido e o chefe da missão da União Europeia em Moçambique. Um especialista em política moçambicana nota que todos os escolhidos “são países críticos de Moçambique e que assumem posições duríssimas contra o Governo”. Portugal não está no grupo, nem nunca esteve para estar, segundo três diplomatas ouvidos pelo PÚBLICO. Ivone Soares, da Renamo, sublinha no entanto que, “estando a União Europeia no grupo, Portugal acaba estando implicitamente convidado”, mas que o importante foi convidar embaixadores que vivem em Maputo, de modo a permitir “contactos mais regulares entre as partes”.

“Os sete embaixadores estrangeiros não vão estar no diálogo de forma directa, nem sentados à mesa das negociações”, explicou António Chichone. “Vão dar apoio financeiro e jurídico, se for necessário.” Na quarta-feira, já houve a primeira reunião entre o "grupo de contacto" e membros do Governo, soube o PÚBLICO, o que é interpretado como uma vontade de fazer o processo avançar. Segundo o diário O País, Nyusi já deu luz verde: “O Presidente Afonso Dhlakama e eu chegámos à conclusão de que os grupos podem começar a trabalhar”. Só falta começar.

Notícia actualizada às 10h13 com confirmação do prolongamento do cessar-fogo, anunciado nesta sexta-feira de manhã por Afonso Dhlakama.

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