Aprender a programar computadores no 1.º ciclo? Experiência correu bem, mas aposta requer meios

Se o Ministério da Educação quiser manter o ensino de programação nas escolas, tem que garantir computadores, acesso de qualidade à Internet e a necessária formação dos professores, alerta estudo.

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Houve queixas sobre a qualidade dos computadores Daniel Rocha

Se o Ministério da Educação (ME) decidir renovar e alargar a todas as escolas do 1.º ciclo do ensino básico a oferta de iniciação à programação de computadores – criada em regime experimental em 2015/2016, para aumentar os níveis de literacia digital dos alunos – deve abandonar a perspectiva “utilitária da empregabilidade” que lhe estava subjacente. E deve, por outro lado, cuidar que todas as escolas disponham dos computadores, ligações à Internet e profissionais necessários “para garantir as condições de aprendizagem adequadas a todas as crianças e jovens das escolas da rede pública”.

Estas recomendações estão contidas no estudo “1.º Ciclo – Iniciação à Programação” que José Luís Ramos e Rui Gonçalo Espadeiro, investigadores do Centro de Investigação em Educação e Psicologia da Universidade de Évora (CIEPUE), fizeram a propósito daquela oferta que foi lançada no início de 2015 pelo Ministério da Educação e Ciência, então ainda tutelado por Nuno Crato, e que, ao longo daquele ano lectivo, abarcou quase 30 mil alunos do 3.º e 4.º anos de escolaridade de 242 agrupamentos de escolas. 

Para avaliar se tais metas foram alcançadas, os investigadores do CIEPUE aplicaram questionários a professores e alunos de 190 escolas e visitaram algumas dos estabelecimentos envolvidos no projecto. Entre os professores inquiridos, 90% concordaram que a iniciativa proporcionou aos alunos uma visão mais alargada dos diferentes usos dos computadores e 82,6% especificaram que a mesma ajudou ao “desenvolvimento do pensamento computacional”.

Na generalidade das escolas, foi possível garantir um computador por cada dois alunos, tendo sido escassos os casos (7,4%) em que as escolas tiveram de alocar três ou mais alunos por computador.

Ainda assim, houve queixas quer quanto à qualidade dos computadores, quer quanto à qualidade da rede de acesso à Internet. As dificuldades de articulação com os professores titulares de turma e com as restantes áreas curriculares foram outras das queixas anotadas pelos investigadores. E ao rol de “ameaças” ao programa somou-se o facto de cerca de 20% dos professores envolvidos não ter recebido qualquer formação para o efeito.

A favor do alargamento

Mas o balanço global foi positivo. A maioria dos professores defendeu o alargamento do programa a todos os alunos do 3.º e 4.º anos do 1.º ciclo e mesmo aos alunos do 2.º ciclo. Se tal vier a acontecer (o estudo é editado pela Direcção-Geral de Educação, mas as opiniões nele expressas “não coincidem necessariamente com as opiniões” do ME, conforme se lê no preâmbulo do documento), os investigadores recomendam que a abordagem junto dos alunos seja recentrada nas finalidades educativas definidas para cada um dos ciclos e menos nas promessas de empregabilidade e da formação de futuros programadores, tidas como uma perspectiva “menos adequada e eventualmente redutora das potencialidades educativas da própria iniciativa”.

Para que a iniciativa possa “chegar nas melhores condições a todos os alunos, nos diferentes ciclos de ensino, a partir do 3.º ano de escolaridade”, será preciso investir em salas adequadas e garantir a conectividade das mesmas, recomenda o estudo.

Do mesmo modo, haverá que garantir a existência de linhas orientadoras claras e a colaboração transversal entre professores de informática e professores titulares de turma, além da formação dos professores envolvidos na iniciativa.

Quando ao enquadramento da iniciação à programação, poucas escolas se mostraram favoráveis à ideia de a incluir no currículo ou de a tornar obrigatória através da criação de uma disciplina. A ideia seria que se salvaguardasse a liberdade de escolha das escolas, famílias e alunos, inserindo-a no tempo de oferta complementar da escola ou nas actividades de enriquecimento curricular. Os autores deste estudo apontam ainda uma necessidade: mobilizar os professores do grupo de recrutamento 910 (ensino especial) para estas actividades, garantindo assim que chegam aos alunos com necessidades educativas especiais. 

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