E o Óscar é... jovem, negro e homossexual

Numa cerimónia bem-comportada que premiou o que se esperava, a surpresa surgiu à vista da meta com a vitória de Moonlight como melhor filme. Uma vitória histórica para um filme literalmente “à margem” da indústria.

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Moonlight: o dramaturgo Tarell Alvin McCraney (à esquerda) e o realizador Barry Jenkins (à direita) Reuters/LUCAS JACKSON
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Viola Davis conquistou o seu primeiro Óscar pelo papel em Vedações Reuters/LUCAS JACKSON
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Sting interpretou o tema The Empty Chair, nomeado para melhor canção original Reuters/LUCY NICHOLSON
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Charlize Theron e Shirley MacClaine apresentaram a categoria de melhor filme estrangeiro Reuters/LUCY NICHOLSON
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A astronauta iraniano-americana Anousheh Ansari subiu ao palco para receber o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em nome de Asghar Farhadi Reuters/LUCY NICHOLSON
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Depois de 21 nomeações, Kevin O'Connell vence o seu primeiro Óscar, na categoria de Mistura de Som Reuters/LUCY NICHOLSON
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Auli'i Cravalho interpretou a música do filme de animação Vaiana, que estava nomeada para melhor canção original Reuters/LUCY NICHOLSON
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As actrizes do filme "Elementos Secretos" na apresentação do vencedor para Melhor Documentário Reuters/LUCY NICHOLSON
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As actrizes do filme "Elementos Secretos com Katherine Johnson, na apresentação do vencedor para Melhor Documentário Reuters/LUCY NICHOLSON
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Mahershala Ali conquistou o Óscar de melhor actor secundário pela sua interpretação em Moonlight Reuters/LUCY NICHOLSON
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Alicia Vikander, que o ano passado recebeu o Óscar de melhor actriz secundária A Rapariga Dinamarquesa entregou este ano o prémio de melhor actor secundário Reuters/LUCY NICHOLSON
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A cerimónia dos Óscares arrancou com Justin Timberlake Reuters/LUCY NICHOLSON
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Jimmy Kimmel foi o apresentador da 89.ª cerimónia dos Óscares Reuters/LUCY NICHOLSON
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A cerimónia dos Óscares arrancou com a canção Can't Stop the Feeling, nomeada para melhor canção Reuters/LUCY NICHOLSON
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A cerimónia dos Óscares arrancou com uma actuação de Justin Timberlake Reuters/LUCY NICHOLSON
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Jimmy Kimmel escreveu duas mensagens ao Presidente Trump via Twitter. Primeiro uma mensagem simples "estás acordado?". Depois uma hashtag - #merylsayshi, que é como quem diz "a Meryl diz olá". Reuters/LUCY NICHOLSON
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Orlando von Einsiedel and Joanna Natasegara, vencedores na categoria de melhor curta documental Reuters/LUCY NICHOLSON
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Jimmy Kimmel brincou com Sunny Pawar, o actor de 8 anos que protagoniza o filme Lion Reuters/LUCY NICHOLSON
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Byron Howard, Rich Moore e Clark Spencer, vencedores na categoria de filme de animação por Zootrópolis Reuters/LUCAS JACKSON
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Michael J Fox e Seth Rogen chegaram ao palco num DeLorean (o mítico carro da trilogia Regresso ao Futuro Reuters/LUCY NICHOLSON
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Michael J Fox e Seth Rogen chegaram ao palco num DeLorean (o mítico carro da trilogia Regresso ao Futuro Reuters/LUCY NICHOLSON
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Um dos momentos mais caricatos da cerimónia aconteceu com um grupo de turistas que aterrou de surpresa na cerimónia dos Óscares Reuters/LUCY NICHOLSON
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Um dos momentos mais caricatos da cerimónia aconteceu com um grupo de turistas que aterrou de surpresa na cerimónia dos Óscares Reuters/LUCY NICHOLSON
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Um dos momentos mais caricatos da cerimónia aconteceu com um grupo de turistas que aterrou de surpresa na cerimónia dos Óscares Reuters/LUCY NICHOLSON
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Meryl Streep e Javer Bardem juntos na apresentação de uma categoria LUSA/AARON POOLE / AMPAS
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Por duas vezes, caíram doces sobre a plateia do Dolby Theatre, em Los Angeles Reuters/LUCY NICHOLSON
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John Legend interpretou os dois temas de La La Land nomeados para o Óscar de melhor canção original Reuters/LUCY NICHOLSON
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Um dos momentos mais caricatos da cerimónia aconteceu com um grupo de turistas que aterrou de surpresa na cerimónia dos Óscares Reuters/LUCY NICHOLSON
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Sting actuou na cerimónia deste ano, interpretando o seu tema nomeado como melhor canção original Reuters/LUCY NICHOLSON
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Faye Dunaway e Warren Beatty ficaram responsáveis por entregar o prémio de Melhor Filme Reuters/LUCY NICHOLSON
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O momento em que a produção e os supostos vencedores se apercebem do erro Reuters/LUCY NICHOLSON
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O momento em que a produção e os supostos vencedores se apercebem do erro Reuters/LUCY NICHOLSON
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O momento em que um dos produtores de La La Land abraça o realizador de Moonlight Reuters/LUCY NICHOLSON

Os Óscares ficam sempre na história, por este ou aquele vencedor ou momento ou gague ou discurso ou celebração. Mas a cerimónia de 2017 vai sempre ser recordada pelo momento, pouco depois das cinco da manhã de 27 de Fevereiro em Lisboa, em que o filme que todos achavam que ia ganhar viu o Óscar ser-lhe tirado em cima do palco.

Por esta altura já toda a gente sabe do erro de Faye Dunaway e Warren Beatty, a quem foi entregue por engano o cartão de vencedor de Melhor Actriz e não de Melhor Filme. (A PriceWaterhouseCoopers, consultoria responsável pela contagem de votos, assumiu entretanto por inteiro, num comunicado oficial, a responsabilidade do erro, anunciando que vai investigar como foi possível o envelope errado ter sido entregue aos apresentadores.) Também já toda a gente sabe da elegância com que o produtor de La La Land Jordan Horowitz o corrigiu em palco, chamando a equipa de Moonlight para receber o prémio que lhes era devido. E desde logo pulularam na Internet as comparações (ou conspirações?) à eleição de Novembro (onde Hillary Clinton perdeu a presidência apesar de ter ganho no voto popular), como se a bolha liberal dos Óscares fosse uma compensação impossível pela vitória de Donald Trump.

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O que realmente importa, contudo, é outra coisa: a inesperada e improvável vitória de Moonlight de Barry Jenkins como Melhor Filme na madrugada de 26 para 27 de Fevereiro de 2017 é algo de histórico no cinema americano. Como diz Sean Fennessey logo a abrir a sua história no site The Ringer: “Nunca um filme com um orçamento tão pequeno, um elenco tão desconhecido, uma história tão pessoal, um resultado de bilheteira tão modesto e uma origem tão improvável recebeu a maior honra da indústria do cinema.”

La La Land – Melodia de Amor, o musical retro-consciente e escapista de Damien Chazelle que partia triunfador para esta 89.ª edição dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com um recorde de 14 nomeações, pode ter levado o maior número de estatuetas da noite (seis, incluindo melhor actriz para Emma Stone e melhor realização para Damien Chazelle). Mas perdeu à vista da meta “o” Óscar que marca para a vida, criando a surpresa e abrindo toda uma série de leituras possíveis para a cerimónia 2017.

A começar pela “narrativa negra” — um ano cheio de vitórias de filmes e figuras negras, como compensação por todas as controvérsias #OscarsSoWhite de anos anteriores. A cerimónia entregou Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Actor Secundário (Mahershala Ali, primeiro muçulmano a receber um Óscar) a Moonlight; melhor actriz secundária a Viola Davis (Vedações); melhor documentário para as oito horas de O. J. Made in America de Ezra Edelman, produzido para o canal de cabo ESPN.

A leitura que interessa, contudo, transcende questões de cor da pele: os Óscares têm sistematicamente tendência a premiar a mediania e o conformismo, “aquilo que já sabemos que gostamos” em vez de “aquilo que é realmente fora de série.” Ao dar o prémio máximo a Moonlight, a Academia decidiu premiar algo “fora de série”. Financiado fora dos grandes estúdios, Moonlight foi o menos visto dos nove nomeados a Melhor Filme (com apenas 23 milhões de dólares de receita americana), bem como o menos formatado e menos convencional. Jenkins, de 37 anos, com meia-dúzia de curtas e uma única longa em carteira (a excelente Medicine for Melancholy, exibida no IndieLisboa em 2008), adaptou com um elenco desconhecido e uma equipa composta de colegas da escola de cinema uma peça inédita do dramaturgo Tarell Alvin McCraney, In Moonlight Black Boys Look Blue, filmando no próprio bairro de Miami (Liberty City) onde o realizador cresceu. Contado em três tempos diferentes na educação do jovem Chiron (interpretado por três actores diferentes consoante a idade), Moonlight atira-se de cabeça a uma vivência que o cinema mainstream nunca abordou: o que significa ser jovem, negro, homossexual na América hoje (para que conste: McCraney é gay, Jenkins é heterossexual).

Como aponta Aisha Harris na Slate, é a primeira vez que um filme com personagens negras que não aborda o racismo ganha o Óscar de melhor filme. E, para lá da cor da pele, é a primeira vez que um filme sobre uma personagem homossexual ganha o prémio máximo da Academia. Nem Filadélfia de Jonathan Demme, Milk de Gus van Sant ou O Segredo de Brokeback Mountain de Ang Lee o conseguiram.

Os Óscares não deixaram por isso de ser mais do mesmo. Houve as previsíveis vitórias de solidariedade global (a segunda vitória do iraniano Asghar Farhadi em Melhor Filme Estrangeiro por O Vendedor, ou o galardão à curta documental The White Helmets, sobre os voluntários da defesa civil síria) e a homenagem ao profissionalismo rodado dos seus inúmeros técnicos e criativos, jovens ou veteranos (os prémios técnicos de La La Land, O Primeiro Encontro, O Herói de Hacksaw Ridge ou Monstros Fantásticos).

E, se não tivesse havido o espalhafatoso twist final de Moonlight, por entre a gaffe de Bonnie e Clyde e o equilíbrio discreto de uma cerimónia que cumpriu os requisitos, a maioria dos prémios corresponderam às (boas ou más) expectativas dos observadores. Mas bastou uma gaffe, e uma vitória em que já ninguém acreditava, para inscrever os Óscares de 2017 na história dos galardões como uma noite especial que escreveu, literalmente, direito por linhas tortas.

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