No Porto, há quem não saiba o que significa a palavra crise

A livraria de Amélia Coelho nunca esteve tão bem. A centenária de Miguel Carneiro dá-lhe a alegria de nunca ter encarado a crise frente. No Porto, a simpatia é a alma do negócio. E chega?

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Manuel Roberto
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À quarta-feira, vem um senhor da Póvoa de Varzim. Às quintas, depois do almoço, chega um “padeiro que gosta muito de ler.” Se não vêm, Amélia Coelho liga-lhes para saber se algo de mau lhes impediu a visita à livraria. “A gente sente a falta do cliente habitual, não é?”, pergunta sem esperar resposta. Afinal, com três décadas como alfarrabista, ela é que o sabe.

Quem entra na Paraíso do Livro, na Rua de José Falcão, pode ficar o tempo que quiser entre os 25 mil livros. “Há pessoas que estão aqui horas e, no fim, podem não comprar nada que eu não me chateio.” Levam para casa a confiança e a simpatia da portuense e acabam por voltar. “Quando acharem que vale a pena compram e aqui as pessoas compram muito.” Clientes não lhe faltam, nem os habituais, nem os de circunstância.

Amélia, de 55 anos, trabalhou 25 na centenária Livraria Académica. “Estava a trocar o certo pelo duvidoso, mas tinha uma alma maior que uma loja tão pequena.” Queria aprender fazendo, às suas custas. Em 2004 começou a fazer feiras, a vender e comprar livros, a encher o espaço que tinha alugado. Andou assim “meia dúzia de anos”, até abrir a loja nesse mesmo sítio, em 2009. “Nestes oito anos ganhei mais do que em 25 na outra.” Nunca o negócio esteve tão bem.

Qual é o segredo? “Sabe que em Lisboa não há um sorriso, não há uma anedota. Uma pessoa aqui diz um palavrão se for preciso. A gente dá, a gente ri, a gente oferece.” Graças à banda desenhada, que ocupa uma das paredes da loja, não falta cor neste espaço. Nem luz, nem a voz contagiante de Amélia.

Tem clientes dos que esgotam o lote da Agustina Bessa Luis em poucos dias aos que devoram a banda desenhada. Tem clientes para os livros raros – como a Aquele Grande Rio Eufrates, o primeiro livro de Ruy Belo, que comprou por um euro na Feira da Vandoma. “Vendi a 200 euros passado uns dias.”

“Coleccionadores aqui há muitos, mas esses coleccionadores já têm muito.” É um desafio “delicioso” procurar o que eles podem querer. Claro que não há como antigamente, diz, mas há ali, pelo menos, três coleccionadores jovens.

“Nota-se quem está a servir-se”

Em 2015 abriram no Porto três livrarias. Todas diferentes: um projecto independente de dois jovens, uma livraria no Mercado Bom Sucesso e uma livraria de mulheres.

Na baixa, a Gostar de Ler, é a mais recente. Abriu em Setembro e só tem os livros que Lurdes Paiva gosta de ler. Depois de 20 anos a andar no mundo dos livros - esteve 18 na Chaminé da Mota, na Rua das Flores – a alfarrabista só viu fechar “duas ou três livrarias, cujos donos faleceram”.

“Tem a ver com fazer disto uma profissão de dignidade ou por dinheiro”, acredita. Se segundo que fala mais alto, não há loja que dure, garante. “Nota-se perfeitamente quem está a servir os livros e quem está a servir-se.”

Lurdes vê que falta paixão e profissionalismo na profissão. “Há muita gente que sabe trabalhar com computadores, mas não sabe nada de livros”. Acha que é isso que leva livrarias histórias a não saberem aguentar a mudança de geração. Falta também coragem: “Saber atender as pessoas é uma luta.”

Na vizinhança da Rua Mártires da Liberdade, está vivo o coleccionismo, as casas de antiguidades e alfarrabistas. Lurdes recomenda o vizinho Homem dos Livros, aberto desde 2011.

“Há muita estrada para alfarrabistas andarem”

Da Rua Mártires da Liberdade para os Clérigos: este é o terreno mais fértil da cidade em livrarias e alfarrabistas. No século XIX, as casas de livros acotovelavam-se na Rua Mouzinho da Silveira, no século seguinte concentraram-se em poucos quarteirões à volta das Galerias de Paris. Hoje tendem a multiplicar-se como cogumelos pela cidade. A descrição é de Miguel Carneiro, dono da Livraria Moreira da Costa, uma das mais antigas alfarrabistas da cidade. Está de pedra e cal na Rua de Avis.

Na montra os livros vão dos 5 aos 160 euros. Não há grande segredo: “estar de porta aberta e receber bem para fazer as pessoas saírem de casa em vez de clicarem para ver se está disponível.” O site já tem 20 anos e fazem constantemente compras online. Ainda assim, não têm duvidas que o passa-a-palavra é o que gera o rodopio na livraria. A todos os que entram, Miguel aproveita para dar um cartão com os seus contactos, mesmo aos que não compram.

O alfarrabista, já de 5ª geração, diz que a livraria aproveita “o ânimo da cidade”: apela aos turistas, trata ainda melhor os portuenses. O facto de ter 115 anos de história e cerca de 50 mil livros também ajuda a fazer frente aos “três ou quatro quarteirões de concorrência”

Na sua opinião, o coleccionismo está de volta. Saltou uma geração: “há os clientes com 70 anos e os de 30”. Nada que o preocupe. Ainda que veja o livro a desvalorizar, a livraria dá-lhe a alegria de nunca ter andando a braços com uma crise. “Enquanto houver livros antigos e usados, há muita estrada para estes alfarrabistas andarem”, remata.

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