“A realidade ultrapassou-me”, confessou Cavaco

Ex-Presidente assumiu na entrevista à RTP que foi ultrapassado pela forma como António Costa negociou o derrube do segundo Governo de Passos Coelho e construiu a actual solução governativa.

Foto
Cavaco Silva foi entrevistado esta quinta-feira na RTP Manuel Roberto

Cavaco Silva confessou que foi ultrapassado pela forma como António Costa conseguiu o acordo com o BE, o PCP e o PEV para derrubar o segundo Governo PSD/CDS liderado por Passos Coelho e constituir um Governo do PS. Entrevistado esta quinta-feira à noite na RTP1 por Vítor Gonçalves, e perante as perguntas sobre a constituição do actual Governo, Cavaco Silva desabafou: “A realidade ultrapassou-me.”

De seguida justificou essa ultrapassagem com o facto de o anterior primeiro-ministro, José Sócrates, lhe ter dito sempre que “nunca faria um entendimento com a “extrema-esquerda”. "Tenho absoluta certeza, daquilo que eu vi, que José Sócrates nunca faria um entendimento com a extrema-esquerda em Portugal", afirmou. De resto, o ex-Presidente remeteu qualquer reflexão sobre o actual Governo para o segundo volume de Quinta-feira e outros dias.

Durante 45 minutos, Cavaco Silva centrou-se no seu livro e no que nele revela. Justificou a publicação com a necessidade de “prestar contas” sobre os seus mandatos, “como acontece noutros países”. E de mostrar aos portugueses como é exercido o poder presidencial e a magistratura de influência.

Cavaco contou que levou oito meses a escrever a primeira parte da obra e que a entregou ao editor em Novembro, enquanto “ainda exercia as funções de chefe de Estado”. E assumiu também que os dois volumes somarão 52 capítulos.

Acerca do facto de revelar conversas com várias figuras políticas, Cavaco apenas disse que essas conversas “foram privadas mas não secretas".

Já perante a pergunta sobre se o livro era um “ajuste de contas” com José Sócrates, afirmou: “Eu não peciso de ajustar contas com ninguém. A vida correu-me muito bem”. Ainda sobre a sua relação institucional com o antigo primeiro-ministro socialista, sublinhou que era “cordial” e que das 188 reuniões que tiveram apenas duas “foram muito difíceis”: uma a seguir à negociação do PEC IV; e outra em Setembro de 2009, após a notícia do PÚBLICO sobre vigilâncias a Belém. “O primeiro-ministro não me informou, sobre o PEC IV, e eu disse-lhe numa reunião que era uma deslealdade”, disse Cavaco, tal como escreveu no livro.

Ainda sobre o antigo primeiro-ministro e questionado acerca da Operação Marquês, Cavaco disse ter ficado "totalmente surpreendido” com a detenção, porque nunca se apercebeu de "qualquer actuação legalmente menos correcta". Mas recusou-se a fazer mais comentários sobre o caso, que disse não ter acompanhado.

Nega crítica a Marcelo

Vítor Gonçalves questionou Cavaco sobre se se pode deduzir do que escreve que não aprecia o estilo de Marcelo Rebelo de Sousa. "Escrevi essa parte [sobre popularidade e mediatismo] muito antes de saber quem seria o Presidente da República", disse Cavaco, dando a perceber que aquele é o seu entendimento sobre as funções presidenciais, e não mais do que isso. "Tenho um grande respeito quer pelos Presidentes da República que me antecederam, quer pelo actual. Ninguém me vai ouvir nenhum comentário sobre a forma como exerceram ou estão a exercer as funções".

Quando questionado sobre se o resgate de 2011 poderia ter sido evitado, Cavaco Silva teceu algumas considerações técnicas para explicar que aquela situação de emergência é um processo comunicado e está bem explicado no livro, mas reconhece que devia ter havido uma mudança de rumo de políticas, como, aliás, avisou no discurso de tomada de posse de 2011. "A situação internacional era complexa e exigia menos obras públicas", explicou. "Mas mesmo que o PEC IV tivesse sido aprovado, já não conseguiríamos evitar" o resgate, disse.

Questionado sobre a razão por que não desmentiu, na altura, as tais notícias sobre a vigilância em Belém, Cavaco justificou-se com o facto de ser uma "historieta de Verão", "absurda" e "sem o mínimo fundamento". Acrescentando que estava de férias, Cavaco disse que entendeu não se envolver e que só mais tarde fez "a interpretação total".

O ex-Presidente recuperou ainda a sua famosa aversão aos media. "Leio muito pouco a comunicação social. Tenho outras fontes de informação", assume Cavaco Silva, recuperando a ideia, que o tornou famoso, de que não lê jornais.

Sugerir correcção
Ler 29 comentários