Supremo diz que juiz Rui Rangel foi parcial em episódio envolvendo Sócrates

Em causa estão declarações do juiz num programa televisivo em que falou sobre o processo. Supremo Tribunal de Justiça confirma multa aplicada pelo Conselho Superior da Magistratura.

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Rangel é juiz da Relação de Lisboa, tribunal que tem tomado decisões sobre os vários recursos de Sócrates Enric Vives-Rubio

O juiz Rui Rangel tomou partido pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates quando este se recusou a sair da cadeia de Évora com pulseira electrónica, concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou a multa de 15 dias de salário aplicada ao magistrado em 2015 pelo Conselho Superior da Magistratura.

A imparcialidade do desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa foi também posta esta quarta-feira em causa pelo Ministério Público, que chegou ao ponto de pedir que Rui Rangel seja impedido de apreciar um recurso apresentado já este ano pelo antigo governante – matéria sobre a qual o Supremo irá também ter de se pronunciar nos próximos tempos. Um comunicado emitido pela Procuradoria Geral da República diz "existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial.”

O caso de 2015 refere-se à participação de Rui Rangel num programa da TVI 24 dedicado a analisar a recusa de José Sócrates em ir para prisão domiciliária com pulseira electrónica. Apesar de o magistrado ter dito, durante a emissão, que não se estava a pronunciar sobre nenhum caso concreto, algumas das suas declarações não deixaram grande margem para dúvidas, quando criticou implicitamente as decisões do juiz Carlos Alexandre sobre a matéria e questionou o facto de “uma pessoa estar tanto tempo à espera para que seja deduzida uma acusação”. 

Rangel fala de "precipitação"

A certo ponto, quando fala sobre a necessidade do então recluso José Sócrates ter ou não de ir à presença daquele juiz para se pronunciar sobre a sua ida para casa com pulseira, Rui Rangel alude mesmo à precipitação que teria existido “antes da divulgação da situação em concreto”. Naquela altura, Sócrates divulgou publicamente a declaração que enviou a Carlos Alexandre com os motivos para a recusa da pulseira electrónica. "Aquilo que estou a dizer, em tese geral (...), é que a justiça reage epidermicamente de uma forma vingativa só porque o arguido usou de uma prerrogativa e de um direito de não aceitar a pulseira", declarou ainda o magistrado durante o programa televisivo. 

De nada lhe valeu alegar, junto do Conselho Superior da Magistratura, o seu direito à liberdade de expressão. Ao defender que o arguido tinha que ir forçosamente à presença do juiz recusar a pulseira electrónica, o desembargador emitiu um juízo prévio sobre uma questão que, sendo passível de recurso jurídico, ainda podia ir parar-lhe às mãos como juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, deliberou aquele órgão, que entendeu que Rui Rangel infringiu de forma grave o dever de reserva que a lei impõe a estes magistrados. Já depois deste episódio o juiz participou, com outro magistrado, numa decisão do Tribunal da Relação sobre outra questão suscitada por José Sócrates no âmbito da Operação Marquês, tendo-lhe dado razão em parte. Cinco parágrafos desse acórdão eram praticamente iguais aos existentes num texto científico de um professor universitário. 

O PÚBLICO tentou falar com Rui Rangel sobre a mais recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça, mas não teve sucesso até ao momento. No final do ano passado soube-se que o desembargador estava a ser investigado por suspeitas de ter recebido dinheiro do empresário futebolístico José Veiga, arguido no caso Rota do Atlântico, processo em que estão em causa suspeitas de crimes de corrupção no comércio internacional, fraude fiscal, branqueamento de capitais e tráfico de influência.

Juiz investigado

Antes disso, em 2015, viu o Ministério Público extrair uma certidão do processo dos vistos gold, que foi remetida ao Conselho Superior da Magistratura, por o seu nome surgir nalgumas das conversas entre os arguidos escutadas pela Polícia Judiciária. Diziam que lhes fazia concorrência nos negócios por escrever livros sobre as leis angolanas - algo que, a ser verdade, constituiria uma infracção disiciplinar por colidir com o estatuto dos magistrados judiciais, que não podem ter outras fontes de rendimento adicionais além das que provêm do exercício da magistratura. O desembargador alegou que trabalhou pro bono naquele paísquer na apresentação do livro quer a minstrar cursos de formação de juízes.

O magistrado candidatou-se a juiz do Supremo Tribunal de Justiça, onde corre a investigação ao alegado recebimento de verbas avultadas na sua conta bancária. A idoneidade, o prestígio e o empenho são alguns dos critérios que o Conselho Superior da Magistratura tem de levar em linha de conta na selecção dos candidatos. A existência de sanções no respectivo registo disciplinar podem ser-lhes prejudiciais, mas o elevado número de anos de serviço, como é o caso, constitui um factor de ponderação positivo. 

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