Camaleão não trava demolições na ilha do Farol

De excepção em excepção, a lista das 369 casas a demolir nos Hangares e Farol já caiu para 57, e a tendência é para baixar ainda mais.

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LUSA/LUÍS FORRA
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A Sociedade Polis da Litoral da Ria Formosa tomou nesta quarta-feira posse administrativa de 12 casas de veraneio da ilha do Farol, para deitar abaixo dentro de uma ou duas semanas. Na sexta-feira estão previstas mais 18 habitações, de uma lista de 57 estruturas, implantadas em zona considerada de risco – a menos de 40 metros da linha de água, do lado da ria. Contra esta acção, ordenada pelo Ministério do Ambiente, protestaram cerca de centena e meio de populares, entoando o já clássico slogan: “Ilhéus unidos, jamais serão vencidos”. Um cordão de segurança, formado por quatro dezenas de agentes da Polícia Marítima, garantiu aos funcionários da Polis a execução do trabalho, sem necessidade de mostrar a força instalada na ilha. “Ninguém se aleijou, está tudo bem”, conclui o comandante Pedro Palma, desvalorizando algumas das palavras menos simpáticas dirigidas à autoridade: “As pessoas sentem-se indignadas, estamos habituados”, observou.

Ao princípio da manhã, o presidente da associação de moradores da ilha do Farol, Feliciano Júlio, começou por apelar ao “civismo” dos presentes para evitar confrontos. “Vergonhoso”, responderam os ilhéus, referindo-se ao facto do Ministério do Ambiente querer deitar casas abaixo, quando existia a expectativa de que quase tudo poderia ficar na mesma. “Vão demolir casas que consideram ilegais, quando outras [193 habitações], situadas na faixa de risco sob administração do ex-Instituto Portuário dos Transportes Marítimas (IPTM) – igualmente em perigo - ficam de pé porque dizem ser legais”. Em relação a esta forma diferente de analisar problemas idênticos, Lucinda Vilarinho é clara: “Sabemos que as casas foram construídas de forma ilegal, mas estão aqui histórias de vida”, enfatiza. A sua habitação, localizada na rua do Cabo, nº 7 é das que está condenada ao derrube. Só não foi incluída no lote de que o Estado tomou posse nesta quarta-feira, explicou, porque recorreu ao tribunal, interpondo duas providências cautelares - uma alegando “usucapião” do espaço; outra, em defesa do habitat do camaleão. Com a justiça, adiantou, já despendeu mais de seis mil euros.

João Andrade, outro dos proprietários, mostra-se convicto de que a operação agora iniciada, na ilha do Farol, e depois nos Hangares, é só o “princípio do que está para vir - querem deitar tudo abaixo”, prevê. No que lhe diz respeito, porque a sua habitação se situa para lá dos 40 metros da linha da água, ainda não foi notificado. Se for confrontado com esse facto acha que não terá meios para se envolver numa batalha jurídica contra a Polis: “Tenho uma reforma de 500 euros/mês, não tenho dinheiro para isso”, observou. Porém, acontece que o Governo, de cedência em cedência aos autarcas, acabou por reduzir o programa de demolições da ria Formosa à sua menor expressão – a lista das 369 construções a abater está nesta altura reduzida a 57, com tendência para encurtar. A partir do momento em que o ministro do Ambiente, Pedro Matos Fernandes, aceitou analisar “caso a caso” as reclamações que lhe foram apresentadas, abriu-se a janela para fazer do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) um instrumento ao serviço dos interesses locais.

De acordo com POOC, aprovado há mais de uma dezena de anos, no Governo de José Sócrates, seriam demolidas 157 casas nos Hangares e 212 no Farol. No final do passado mês de Setembro, depois de reunir com autarcas e proprietários, organizados em movimentos cívicos, Pedro Matos Fernandes nunca mais parou de admitir excepções. Primeiro, o conjunto das casas situadas na faixa de risco foi fixado em 105. Depois a lista baixou para 81, caiu a seguir para 68. Por fim chega às 57, mas não deverá ficar por aqui. Feliciano Júlio anunciou, entretanto, que mais uma dezena de providências cautelares deram entrada nos últimos dois dias, alegando o usucapião.

Demolições, só para alguns

O assoreamento que ocorreu há cerca de dois anos na ilha da Farol fez com que a praia, nesse aglomerado, alargasse 40 metros. Assim, as edificações mais próximas do mar, com maior vulnerabilidade aos galgamentos oceânicos, ficaram aparentemente mais protegidas. Pedro Matos Fernandes aproveitou esse facto para fazer recuar o POOC em relação às demolições nessa faixa de risco. A decisão quando ao derrube das casas, disse, será tomada daqui por três anos, altura em o Ministério do Ambiente fará a avaliação da dinâmica costeira.

O que está agora previsto remover são as casas do lado da ria – habitações de estrutura mais frágil e menos sujeitas aos avanços do mar. O presidente da Câmara de Olhão, António Pina, é uma das figuras públicas com casa de férias na ilha do Farol e que viu protegidos os seus interesses. Porém, na defesa das habitações de veraneio, o autarca socialista não está só. O presidente da assembleia municipal, Daniel Santana, PSD, também possui casa ilegal no núcleo dos Hangares. Os restantes partidos, também se manifestaram contra o POOC no que diz respeito à demolições. “O processo tem de ser travado”, proclamou a coordenadora do Bloco, Catarina Martins, quando visitou as ilhas, no passado fim-de-semana.

O auge da pressão dos poderes locais junto da administração central deu-se no final de Outubro do ano passado. Quando a administração da Polis se preparava para tomar posse administrativa de 68 edificações, o ministro do Ambiente deu ordens para cancelar o plano. Pedro Matos Fernandes prometeu uma análise “caso a caso” das situações. O presidente do Conselho de Administração da Sociedade Polis, Sebastião Teixeira e o vogal, João Alves – cuja actuação vinha a ser criticada pelo PS/Algarve – demitiram-se por se sentirem desautorizados pelo governante. Na carta de renúncia, os dois gestores lembraram que seguiram critérios de “estrita legalidade e defesa do interesse público”. O Plano Estratégico que suporta as acções tomadas no âmbito do POOC, recordaram, foi aprovado por unanimidade por todos os accionistas da Polis em 2008.

Cerca de um mês depois, António Pina – um dos principais opositores ao derrube das casas por ser proprietário de uma delas – foi eleito administrador da Polis. O accionista Estado indicou José Pacheco, técnico da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e o advogado Rogério Gomes para integrarem o conselho de administração. Os quatro municípios que integram a sociedade – Faro, Loulé, Tavira e Olhão – propuseram António Pina, seguindo o método de rotatividade no cargo. Os outros três autarcas já tinham desempenhado essas funções.

O presidente do município de Olhão tem andado na rua em protesto, ao lado dos proprietários das casas de férias do Farol e Hangares, desde 2015. “Esta é uma conquista de Abril”, afirmou, referindo-se ao facto das autoridades, durante décadas, não se terem oposto às construções clandestinas. A pretexto da defesa do ambiente, o autarca interpôs uma providência cautelar, alegando a defesa do habitat do camaleão. O animal, alegou, “localiza-se predominantemente nas árvores e arbustos existentes junto às habitações”. A Polis contestou, argumentando que as construções clandestinas “não constituem um habitat desta ou de qualquer outra espécie protegida”. De recurso em recurso, os processos vão continuando. Procurando demonstrar que o réptil anda por aquelas ilhas, ainda que não seja facilmente detectável, Lucinda Vilarinho mostra um cacto que tem à porta de casa. “Esta planta atrai as moscas, e o camaleão põe-se na árvore, ao lado, para apanhar os insectos”.

Com a mudança de Governo, o grupo parlamentar do PS procurou capitalizar a simpatia dos proprietários das casas de veraneio, fazendo uma recomendação ao Governo para que dê continuidade à aplicação dos 12,5 milhões de euros de investimento previstos no POOC nos concelhos e Faro, Olhão, Tavira e Loulé, mas deixe cair a determinação de prosseguir com as demolições. A revisão do POOC, reclamada pelos autarcas, seria a oportunidade para as casas de férias dos Hangares e Farol fossem também considerados “núcleos históricos”, à semelhança do tratamento que foi dado à comunidade piscatória da ilha da Culatra.

O Ministério do Ambiente anunciou, entretanto, o inicio do processo de realojamento de famílias com habitações ilegais no ilhote do Coco (Olhão), mas que comprovadamente são a sua primeira habitação e não casas de veraneio. Nesta altura, informou o Ministério, estão realojadas ou em fase de mudança nove agregados familiares. Para resolver o problema habitacional, relacionado com o programa de renaturalização da ria Formosa, o Fundo Ambiental dispõe de uma verba de 500 mil euros para o ano de 2017.

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